Acidente radioativo com césio-137, em Goiânia, guia peça sobre memória

Em 'Void', que estreia em São Paulo, ator e diretor Alvise Camozzi discute como nos esquecemos da nossa história

Maria Luísa Barsanelli
São Paulo

​Na Goiânia de 1987, dois jovens encontraram um antigo equipamento num instituto de radioterapia da cidade, então abandonado. Decidiram desmontar o aparelho e vender as peças a um ferro-velho. O dono do local acabou se interessando por um pó, que no escuro emanava uma luminosidade azulada.

A substância misteriosa era o césio-137, e seu contato com moradores levou ao mais grave acidente radioativo da história nacional. Foram quatro mortos, 151 contaminados graves e 1.143 pessoas afetadas.

Apesar do impacto, é um caso de que de certo modo se perdeu na memória brasileira, foi normalizado, comenta Alvise Camozzi. Em seu "Void", o ator e diretor parte do acidente para discutir a lembrança e as fronteiras entre ficção e realidade, algo já explorado em "Psicotrópico" (2016), trabalho anterior do artista italiano radicado no Brasil.

Não se trata, portanto, de um espetáculo documental sobre o acidente em Goiânia. Camozzi e as colegas Letizia Russo (que escreveu com ele a dramaturgia) e Beatriz Sayad (codiretora da peça) se debruçaram sobre documentos históricos e entrevistas com pessoas afetadas pelo caso.

Mas o que interessa não são as minúcias da história, e sim as divergências sobre o que de fato ocorreu no desastre.

"O que diz respeito ao nosso trabalho é o que não fica, o que desapareceu, o que normalizou", diz o ator. "A ideia de não fazer um trabalho documental é pensar como nos comportamos com nosso tempo, é um teatro construído sobre falhas, sobre vazios" —este, o "void" do título inglês da peça.

Sozinho em cena, o italiano trata do caso sem dar nome a personagens, nem mesmo a palavra césio é mencionada. O que se busca a todo tempo é a dificuldade em se traduzir essa história esquecida. 

Para tanto, é auxiliado por uma atmosfera incômoda, uma cenografia toda branca, demasiadamente asséptica (pede-se que se tire os sapatos) e uma musicalidade estranha. Antes das sessões, o espaço vira uma instalação em que é possível acompanhar áudios que se modificam com o movimento do espectador.

Void

  • Quando Peça: qui. a sáb., às 21h, dom., às 18h. Instalação: qui. a sáb., das 16h às 19h, dom., das 13h às 16h. Até 23/12
  • Onde Sesc Avenida Paulista, av. Paulista, 119
  • Preço R$ 9 a R$ 30
  • Classificação 14 anos
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