Feira Artissima se concentra em artistas emergentes em busca de mercado de nicho

Com 195 galerias de 35 países, evento em Turim também tenta aumentar relevância internacional

Mulher observa obra de arte na feira Artissima, em Turim

Mulher observa obra de arte na feira Artissima, em Turim Divulgação

Gabriela Longman
Turim (Itália)

Em torno dos séculos 14 e 15, as antigas rotas comerciais (rota da seda, rota das especiarias), ligavam diferentes pontos da Europa, especialmente da Itália, e do Oriente por um caminho de comércio que ajudou a dar forma ao primeiro capitalismo.

Hoje, um percurso que lembra essa peregrinação é feito por galeristas de diferentes países, seguindo o acirrado calendário de feiras de arte.

A concorrência entre as cidades não é pequena. Para sua 25ª edição, no início deste mês, a Artissima, em Turim, trabalhou para aumentar a relevância internacional e, ao mesmo tempo, manter-se como catalisadora do mercado italiano. 

A multiplicação de eventos no calendário e a ascensão das grandes franquias Art Basel (Suíça-Miami-Hong Kong) e Frieze (Londres-Nova York-Los Angeles) faz com que feiras um pouco menores, como as de Madri (Arco), Genebra (artgenève) e Bruxelas (Art Brussels), procurem nichos para fazer a diferença, num circuito que movimentou US$ 15,5 bilhões (R$ 58 bilhões), em 2017, segundo relatório produzido pelo UBS e Art Basel.

Com 195 galerias de 35 países, a Artissima se concentra cada vez mais seu foco em artistas emergentes. “É uma feira que tem uma identidade de pesquisa. O sistema de museus dessa região é muito bem organizado e neste ano a cidade é sede de um encontro entre museus privados do mundo”, diz Verusca Piazzesi, diretora da galeria Continua, que mostrava obras do chinês Qiu Zhijie e um grande painel do brasileiro Jonathas de Andrade a colecionadores e instituições. 

Embora haja trabalhos mais caros, como um “Open Model” de Antony Gormley vendido a 350 mil libras, a maior parte das vendas dias gira entre 5 e 15 mil euros —daí a ausência de Gagosian, Pace, David Zwirner ou White Cube, que trabalham com valores mais altos.

Enquanto na feira de Milão (Miart) se compram modernos como Giorgio de Chirico e Lucio Fontana, a sessão “retrospectiva” da Artissima dedica-se apenas à redescoberta do passado recentíssimo de 1980-1994. O tempo é hoje.

“É realmente um espaço para descobrir novos nomes”, enfatiza a diretora da feira Ilaria Bonacossa. Nesse sentido, desembarcaram do Brasil trabalhos sonoros de Vivian Cacuri trazidos pela Gentil Carioca, da paulistana Clara Ianni, trazida pela Galeria Vermelho, e um estande dedicado a Mestre Didi concebido pela Almeida e Dale. É uma representação pequena, mas de longe a maior da América Latina. “Nossa ideia é expandir a atuação e participar do máximo de feiras fora”, diz Carlos Dale, que levou obras de Volpi para a Frieze Masters.

Mais do que um lugar de compra e venda, feiras são centro de networking e de relações para o futuro. Sem disponibilidade para dar conta do calendário todo, os colecionadores vão atrás das melhores obras e os galerias vão atrás dos melhores colecionadores. Não é cravo e açafrão, mas é como se fosse. Fugindo das grandes franquias, Tommaso Tisot, advogado e colecionador italiano, elogiava a pequena feira paralela Stampa, que viu em Madrid: “Gosto cada vez mais de feiras menores. Basel é enorme, milhares de eventos ao mesmo tempo, ficamos estressados sem conseguir ver nada nem ninguém.”

Herança automotiva

Cidade industrial e sede da Fiat, Turim transformou parte de seus velhos armazéns e fábricas automotivas em espaços de arte, e o fato de a feira coincidir com a temporada de trufas serve como atrativo adicional. Enquanto as feiras de Colônia, Madri e Bruxelas viram o número de visitantes cair nos últimos cinco anos, Turim se manteve estável contabilizando oficialmente pouco mais de 50 mil visitantes.

Revirando a Artissima e as principais instituições pela cidade, um olhar mais atento percebe que trabalhos que tematizavam o naturalismo, a taxonomia e toda a herança científica do século 19 —uma espécie de moda do colecionismo nos últimos anos— praticamente desapareceram para dar lugar a uma onda com temática social e feminista (sem muita radicalidade) e muitas obras com textura e tecido. “Talvez seja uma resposta à digitalização crescente do mundo, uma necessidade dos artistas de voltar ao manual, à materialidade”, conjectura Ilaria.

Em paralelo à feira, uma exposição de instalações sonoras acontece no prédio da OGR, antiga oficina que era usada para reparação de trens convertida em centro cultural especializado em música; ocupando uma extinta fábrica de radiadores, a Fondazione Merz recebe uma instalação e uma série de desenhos feitos por Petrit Halilaj que revisitam a história de um centro cultural em Runik, no Kosovo, destruído durante a guerra; no alto de uma colina nos arredores cidade, o Castelo de Rivoli foi convertido em museu contemporâneo que expõe uma nova instalação de Hito Steyerl sobre vigilância e insegurança na era digital.

É principalmente sobre as incertezas na situação da Europa —com inquietações sobre "brexit" e o fim da era Merkel— e a ascensão de líderes nacionalistas como Trump, Salvini e Bolsonaro que conversam em festas e jantares boa parte dos colecionadores presentes na cidade, uma concentração de PIB europeu digna de nota, com olhos voltados para China e as possíveis reconfigurações geopolíticas. A rota da seda em funcionamento.

A jornalista viajou a convite da 25ª Artissima

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior informava erroneamente que a artista mineira Lais Myrrha foi levada à Artissima pela Galeria Vermelho. O texto foi corrigido.

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