Descrição de chapéu

Feminismo de 'As Viúvas' não cai no truque do empoderamento fake

Steve McQueen, de '12 Anos de Escravidão', volta a mostrar autoconfiança quase messiânica

Bruno Ghetti

As Viúvas (Widows)

  • Quando Em cartaz
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Viola Davis, Michelle Rodriguez, Elizabeth Debicki
  • Produção EUA/Reino Unido, 2018
  • Direção Steve McQueen

Das muitas qualidades do cineasta Steve McQueen, a mais marcante talvez seja a autoconfiança. Foi ela que o fez se destacar logo na estreia, no admirável “Fome” (2008), mas também foi o que comprometeu seu segundo longa, “Shame” (2011), cuja essência se diluía em seu próprio existencialismo “cool”.

Sem essa segurança na própria capacidade, no entanto, McQueen não daria voos altos como “12 Anos de Escravidão” (2013). A pachorra de um britânico negro fazer algo que cineastas americanos ainda não tinham conseguido com total desenvoltura —reviver o passado escravocrata dos EUA— foi recompensada com um Oscar.

Em seu quarto longa, “As Viúvas”, o diretor volta a mostrar uma confiança quase messiânica nos seus próprios métodos, fazendo um filme bem diferente do que qualquer outro diretor diante do mesmo material.

É a história de Veronica, mulher que passou anos casada com um homem sem saber que ele era um bandido. Quando ele e dois comparsas morrem em uma ação, ela é ameaçada por criminosos rivais, que cobram uma dívida. Para conseguir o dinheiro, Veronica procura as outras duas viúvas e, sem saída, elas decidem levar adiante um roubo que os cônjuges haviam planejado.

A premissa poderia render um filme de assalto cheio de adrenalina. Ou uma comédia leve, explorando as possibilidades humorísticas da troca de papéis entre mulheres e homens. Mas, nas mãos autorais de McQueen, vira um filme estranho, disforme, avesso a rótulos.

Definitivamente, o longa não funciona em termos de cinema de ação, porque McQueen nunca consegue fazer a narrativa fluir como o gênero exige. O roteiro é prolixo e o diretor sobrecarrega de informações visuais cada mísera cena, tornando-as pesadas, sufocadas na própria superelaboração.  E, como senso de humor não é lá o forte do cineasta, o filme também aniquila seu potencial cômico. 

No entanto, “As Viúvas” é um êxito em diversos outros níveis, inclusive no mais importante deles: transmite seu recado.

A carga visual, logo se percebe, tem um efeito cumulativo que propaga dados que o roteiro várias vezes (e astutamente) deixa de providenciar. O filme também estabelece uma forte conexão entre o público e as protagonistas. McQueen de fato sabe o que faz.

O diretor está sempre atento às nuances e à complexidade humana, por isso no longa há gente ruim e gente boa de todos os tipos, homens, mulheres, negros, brancos, ricos, pobres. O que não quer dizer que não saibam tirar benefício da própria situação social.

Faz, por fim, uma obra fortemente feminista, sem recair em um empoderamento fantasioso ou publicitário.

A sororidade surge pelas circunstâncias, da necessidade instintiva de mulheres se unirem para seguirem vivas. Metaforicamente, alude à união feminina como garantia da própria sobrevivência enquanto seres sociais ativos. Contra essa força vinda das entranhas, não há poder masculino que resista.

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