Descrição de chapéu

De forma imperial, Silvio Santos faz o que quer e não ouve conselhos

O dono do SBT faz comentários de cunho racista, homofóbico e machista sem cerimônia

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Mauricio Stycer

Caso raro, talvez único no universo da comunicação, Silvio Santos é dono de uma grande empresa e ao mesmo tempo o produto mais importante dela. Na dupla função de empresário e apresentador, atua como a face mais visível do SBT e, seguramente, é o principal motor dos negócios.

Ainda que tenha procurado modernizar a empresa em várias instâncias, age de forma imperial em relação à programação da TV. Não consulta ninguém quando julga ter uma boa ideia – e não há ninguém capaz de questioná-lo ou apresentar contrapontos.

Foi assim, mais uma vez, na última terça-feira (06), quando determinou a inserção de uma série de spots com mensagens nacionalistas usadas pela ditadura no início da década de 1970, desrespeitando, como escrevi no domingo, as vítimas do regime militar.

Ou, como fez no sábado (10), repetindo o hábito de bajular publicamente os donos do poder, ao elogiar o presidente eleito e falar da sua expectativa de dois mandatos seguidos de Bolsonaro mais oito anos de Sérgio Moro como presidente - “16 anos de um bom caminho”. 

Mais complicado ainda é a sem-cerimônia com que reproduz comentários de cunho racista, homofóbico e machista na interação com convidados do programa. A lista é enorme não vou reproduzi-los aqui (nos últimos dias circularam várias antologias a respeito na internet).

Mais de uma vez já me perguntei se é justo exigir que um homem nascido em 1930 pense e aja em sintonia com valores aceitos como óbvios no século 21. No cotidiano, a experiência mostra ser mais fácil ignorar ou se afastar de pessoas que pensam de forma radicalmente diferente e ofensiva do que convencê-las a mudar de ideia.

Mas Silvio Santos não é um amigo ou um parente. É alguém que entra na televisão, uma concessão pública, por quatro horas, aos domingos. “Esse negócio de eu ficar dando abraço me excita e eu não gosto de ficar excitado. Não é euforia, não. É excitação mesmo”, disse à cantora Claudia Leitte em meio a um evento beneficente, dedicado à causa da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente).

 “Agora eu acho que meu marido tem uma razão para ficar chateado”, ela respondeu. “É claro. Porque as pessoas, às vezes, não usam de sinceridade”, disse Silvio, recorrendo ao argumento de quem quer ver o circo pegar fogo. 

​Silvio é defendido, no seu entorno, sob o pretexto de que fez apenas uma "brincadeira" e que não deve ser levado a sério. É fácil dizer isso sem se colocar na pele de quem foi alvo da "piada", exibida ao vivo, na TV. Os gestos de Claudia Leitte, ao recuar no palco e abaixar o vestido com as mãos, passam a impressão de medo. Mesmo uma figura experiente como ela não encontrou palavras para reagir. 

Na lógica perversa de apontar a vítima como responsável pelo assédio sofrido, fãs de Silvio logo culparam a cantora por estar usando um vestido muito curto. Também houve quem a acusasse de já ter agido de forma inconveniente com crianças no programa “The Voice Kids”. E, como não poderia faltar, houve quem lembrasse de um imbróglio dela com a Lei Rouanet.

Neste Brasil em que parece impossível dialogar, e no qual mulheres, negros e gays estão entre as maiores vítimas de violência, um homem de comunicação como Silvio Santos deveria ser mais responsável. Mas ele segue sugerindo que não está nem aí. Mantem-se fiel à lição que diz ter recebido de um domador de circo: “Público e leão são a mesma coisa. Se a gente tem medo, ele nos engole”.

Diferentemente do início da carreira, quando temia ser abandonado pelas fãs se elas soubessem que era casado, já há muito tempo Silvio não parece mais preocupado com o que a plateia vai pensar do domador, nem mesmo se há gente trocando de circo.

Mauricio Stycer é autor de 'Topa Tudo por Dinheiro – As Muitas Faces do Empresário Silvio Santos' (Todavia)  e colunista da Folha

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