Debate destaca o papel dos críticos culturais como agentes militantes

Convidados também apontam machismo do ofício durante evento dos 60 anos da Ilustrada

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São Paulo

“Ser mulher é um agravante na crítica cultural. Vale mais um crítico homem semiletrado do que uma mulher alfabetizada. A mulher do debate cultural é uma boneca à espera de um ventríloquo.”

Foi com uma fala contundente que a crítica literária Camila von Holdefer, colaboradora da Folha e da revista Quatro Cinco Um, abriu a sua participação no terceiro de uma série de debates que marcam os 60 anos da Ilustrada.

Da esq. para a dir., Silas Martí, Guilherme Wisnik, Sérgio Rizzo e Camila von Holdefer no terceiro debate dos 60 anos da Ilustrada - Reinaldo Canato/Folhapress

Ela falou no auditório da Folha nesta quarta (28), à noite, sobre Os Desafios da Crítica na Sociedade Contemporânea. No palco estavam também o crítico de cinema Sérgio Rizzo e o arquiteto e professor da FAU-USP Guilherme Wisnik. A mediação foi de Silas Martí, editor da Ilustrada

Von Holdefer teve uma participação militante ao ler uma carta na qual expôs o desequilíbrio no número de homens e mulheres praticando a crítica. Mas a questão não é só numérica.

Segundo ela, o machismo é muito presente no meio da crítica literária, já que ela enfrentou situações nas quais não foi lida pelo que escreveu —e sim com ar de inferioridade por parte de críticos homens por ser mulher. “Algo impede que a mulher seja dona e senhora da própria palavra.”

Por outro lado, defendeu textos críticos no sentido do escrutínio, que “não estão aí para vender” produtos culturais, mas sim para promover a discussão e o debate de ideias. 

Ela foi sucedida no microfone por Sérgio Rizzo, que escreve nos jornais O Globo e Folha e também dá aulas na PUC e na Faap. Como Von Holdefer, Rizzo começou enfatizando a desproporção na quantidade de críticos homens e mulheres no meio do cinema. Mas se lembrou de algumas mulheres atuantes hoje em sua área, como Isabela Boscov (revista Veja), Neusa Barbosa (Cineweb) e Maria do Rosario Caetano.

Para Rizzo, o cinema se encontra em posição privilegiada, já que ocupa grande espaço na imprensa, maior que a literatura, o teatro e a arquitetura. Ele citou alguns desafios da crítica da sétima arte: por exemplo, a afirmação do próprio campo da crítica “em um universo no qual se criou muito barulho devido ao número imenso de vozes que expressam suas opiniões a respeito de filmes e da produção audiovisual como um todo”. 

Disse que acha “boa a multiplicidade de opiniões [sobre cinema] da internet”, mas que não as vê exatamente como crítica, e sim como uma crônica, por não analisarem profundamente os filmes. 

Rizzo usou o verbo “militar” para o ato de fazer crítica e se referiu a seus colegas de profissão como “militantes”. Seguindo essa lógica, defendeu que jornais da grande imprensa se ocupem mais de filmes menores, ditos alternativos, a exemplo de “A Prece” e “Utoya - 22 de Julho”, já que blockbusters como “Vingadores: Guerra Infinita” não precisariam de mais exposição além do que já têm.

Ainda dentro da chave da militância, o arquiteto Guilherme Wisnik abriu sua fala destacando quem, na sua opinião, foi o maior crítico de arte e arquitetura do Brasil, Mário Pedrosa. Sem ser um acadêmico, Pedrosa exerceu a crítica de forma militante em jornais, sobretudo no carioca Jornal do Brasil. 

Wisnik destacou outros dois pontos na sua participação: a crise da crítica como um todo —os críticos ainda pautam o debate?— e a crise da cultura de maneira geral. Para ele, “tanto o governo federal quanto o estado de São Paulo” que acabam de ser eleitos “demonstram um evidente desprezo pela cultura”. Afirmou esperar que as artes possam se organizar “como foco de resistência aos anos que vem por aí”.


Para o arquiteto, sua área é “o primo pobre” do jornalismo cultural, já que a crítica de arquitetura às vezes fica um tanto perdida, no sentido de que pode entrar em diversos cadernos de um jornal —cidades, mercado, cultura—, o que nem sempre é algo positivo. Os cadernos de arte, concluiu, tendem a cobrir a “arquitetura aurática”, ou seja, a que pode ser considerada arte, a exemplo do novo prédio de um museu.

Wisnik destacou a necessidade da existência de público para que haja crítica. Mas não (só) do público como audiência, e sim da existência de um espaço comum e compartilhado por todos em uma sociedade democrática onde ocorreria o debate. “O destino de uma sociedade que queira ser mais ilustrada é tentar criar essa esfera pública na medida do possível.” 

O editor da Ilustrada concluiu a noite propondo que talvez um novo gênero de crítica esteja surgindo, que abarca diversos livros, filmes ou mesmo obras de áreas distintas. Isso viria em contraste à maioria dos textos feitas hoje, que se debruçam sobre apenas uma obra.

Rizzo destacou que os ensaios já cumprem esse papel e lembrou das colunas do jornalista Paulo Francis na Folha. Já Wisnik destacou o tipo de jornalismo feito pela revista Piauí, inspirado pela americana New Yorker, de matérias híbridas que misturam ensaio e crônica.

Para o arquiteto, “esse tipo de formato tenta dar resposta a uma atenção mais flutuante, compatível com a internet, em um momento em que temos foco menos vertical no assunto”.

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