Descrição de chapéu

Festival em São Miguel do Gostoso mostra o fino do cinema brasileiro na praia

Filmes contam com exibições ao ar livre, na areia e 450 cadeiras enfileiradas

Sérgio Alpendre
São Miguel do Gostoso

É razoável a ideia de que no Brasil há festivais demais para filmes de menos. Mas quando nos deparamos com um festival como a Mostra de Cinema de Gostoso, em São Miguel do Gostoso (RN), onde o Brasil faz a curva, percebemos que não é bem assim.

Com exibições ao ar livre, numa praia grande, com uma tela gigante e 450 cadeiras enfileiradas, os habitantes da cidade podem entrar em contato com obras que, de outra maneira, dificilmente conseguiriam ver.

A quinta edição do evento sobrevive à crise com o envolvimento de toda a comunidade, empenhada em promover o cinema brasileiro. Foram quatro sessões competitivas, compostas de quatro longas-metragens e oito curtas, mais quatro sessões panorâmicas de curtas e longas.

Plateia em festival de cinema de São Miguel do Gostoso (RN)
Plateia em festival de cinema de São Miguel do Gostoso (RN) - Divulgação

Em cinco anos, o festival mostrou resultados concretos. Os curtas realizados pelo coletivo Nós do Audiovisual, formado por jovens da cidade, podem ser ingênuos, mas revelam um olhar mais apurado que o de muitos estreantes.

Na competição, temos uma boa amostra da produção recente. Existe o drama social, os documentários em primeira e em terceira pessoas, a comédia melancólica sobre pessoas à margem da sociedade.

De Santos vem "Sócrates", de Alex Moratto, que mostra um adolescente que acabou de perder a mãe, é brigado com o pai homofóbico e precisa se virar para pagar o aluguel. Irregular, tematicamente parecido com "Querô", de Carlos Cortez, o longa revela um ator tateante, mas carismático: Christian Malheiros.

Mais redondo é o carioca "Meu Nome é Daniel", de Daniel Gonçalves, longa premiado pelo voto popular. Neste filme corajoso, o diretor investiga seu problema de saúde (seria algum tipo de paralisia cerebral?) e nos entrega um tocante álbum de família, por vezes com a qualidade de um VHS desgastado.

O goiano/paulista "Fabiana", de Brunna Laboissière, retrata a vida de uma mulher trans e caminhoneira. Há um descuido formal que impossibilita a total adesão à personagem. Uma pena, pois ela tem belas histórias para contar.

Finalmente, o cearense "Inferninho", de Guto Parente e Pedro Diógenes, injeta boa dose de escracho com sua trupe de deslocados que frequentam o bar de Deusimar. Há um coelho, uma cantora esquisita, um tecladista desanimado, uma Mulher Maravilha bigoduda, um Homem Aranha, e por aí vai.

Difícil sair ileso desse filme de pegada um pouco menos onírica em relação a outros da produtora Alumbramento, embora o humor o leve frequentemente para um divertido nonsense.

Fora de competição, o destaque absoluto é para o baiano "Ilha", segundo longa de Glenda Nicácio e Ary Rosa, sobre o sequestro de um cineasta para a realização de um filme. Aqui, todos os riscos formais contidos no anterior "Café com Canela" ressurgem blindados pela proposta.

Graças principalmente a esses dois filmes nordestinos, a plateia teve contato com o fino do cinema brasileiro recente, e os jovens aspirantes a cineastas terão condições de produzir cada vez mais e melhor.

É assim que se envolve uma comunidade e se forma um público de cinema.

Saída para o mar em São Miguel do Gostoso (RN)
Saída para o mar em São Miguel do Gostoso (RN) - Roberto de Oliveira/Folhapress
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