Filme 'O Segredo de Davi' tem diretor fora da curva e cinéfilo da TV aberta

Criado em sítio e com pouco acesso à cultura, Diego Freitas emplacou seu longa em festivais

Nicolas Prates em cena de 'O Segredo de Davi', de Diego Freitas

Nicolas Prates em cena de 'O Segredo de Davi', de Diego Freitas Divulgação

Guilherme Genestreti
São Paulo

Por trás de “O Segredo de Davi”, suspense estiloso sobre um serial killer que estreia nesta semana, há uma história que destoa da regra dos cineastas brasileiros.

O estreante Diego Freitas não vem de classe social elitizada e tampouco quis estampar sua condição nas telas como autopiedade. Criado num sítio em Mairiporã, Grande São Paulo, o diretor de 28 anos iniciou sua cinefilia com filmes de Sessão da Tarde.

O ator Nicolas Prattes (de costas) e o diretor Diego Freitas (seguindo à dir.), nos bastidores de 'O Segredo de Davi'
O ator Nicolas Prattes (de costas) e o diretor Diego Freitas (seguindo à dir.), nos bastidores de 'O Segredo de Davi' - Divulgação

“Meu pai veio de Pernambuco num pau-de-arara e não tinha escolaridade. Minha mãe veio de Minas para ser empregada aos sete anos. A única coisa mais cultural a que eu tinha acesso era o que passava na TV aberta”, conta. 

Assistiu a tudo, diz, com o “delay” do lançamento na televisão: “Matrix”, “Clube da Luta”, obras de James Cameron e de Guillermo del Toro. Mas pouco conhecia de cinema nacional, fora os títulos mais óbvios. “Sabia que era naquilo que eu queria trabalhar.”

Terminada a escola pública, fez as malas e se mudou para São Paulo. “Minha família era religiosa, tinha problemas com a minha sexualidade.” 

Cursou uma faculdade particular graças a uma bolsa do Prouni e viveu em 12 lugares diferentes na cidade. Dividiu república com travestis, garotos de programa e um pastor evangélico. Também morou num quartinho na casa de uma milionária falida, casada com um sujeito preso num escândalo de corrupção.

Freitas incrementou a cinefilia vendo Michael Haneke, Xavier Dolan e Darren Aronofsky. "Eu sentia uma barreira grande para me como formar como diretor", conta. "Existe uma formação meio elitizada no meio, como se todo mundo tivesse que se formar na USP ou na Faap."

Conheceu também a noite paulistana em festas fetichistas, como a Luxúria —há referências em "O Segredo de Davi", numa cena em que o protagonista se vê cercado de gente fantasiada com máscaras de gás. "Eu era meio virgem, do interior e amava aquela estética."

O pai de Freitas morreu antes da formatura, mas lhe comprou um computador, com as economias que tinha. Já na época o diretor imaginava a história de um garoto deslocado, vindo de família disfuncional. 

Cinco anos atrás, convidado para um workshop em Los Angeles, Freitas conheceu um executivo brasileiro, presidente da Movioca Filmes.

“É agora ou nunca.” Freitas contou que tinha um projeto sobre um jovem serial killer. Ele se interessou pela ideia de mortos que voltam para formar uma família idealizada.

“Voltei desesperado para o Brasil e encarnei o Chico Xavier para escrever o roteiro em semanas”, diz. E para convencer que poderia dirigir a obra, investiu os R$ 15 mil que tinha num teaser de dois minutos, uma prévia de sua concepção visual.

O vídeo, filmado na sua casa e com equipamentos emprestados, mostra Davi assassinando a velha vizinha. “E aí toparam minha maluquice. Foi quando as coisas andaram.”

Vieram recursos de edital, e Freitas pôde tocar o filme com pouco mais de R$ 1 milhão (baixo orçamento para um longa). Nesse meio tempo, ainda deu tempo de lançar o curta homoerótico "Sal", que concorreu no Festival de Gramado. 

Mas a meses das filmagens de "O Segredo de Davi" começarem, ainda não havia ator principal. "Achava caras que eram bonitinhos ou que tinham cara de psicopata, mas nenhum que reunisse as duas camadas." 

Foi quando ele topou com Nicolas Prattes, no ar na novela “Rock Story”. “Tinha um olhar esquisito, uma cara meio revoltada”, lembra.

Freitas mandou o roteiro para a mãe do ator de 21 anos, que "ficou apaixonada". O filho também gostou. “Peguei um avião pro Rio para conversar com ele. O encontro foi um ‘crush’ que deu certo", diz Freitas.

Durante as filmagens, Prattes deu um susto no diretor. Debaixo de muito calor, mas recoberto de casacos (tinha-se que criar a impressão de um inverno paulistano), o ator tinha que protagonizar uma cena em que ofegava bastante antes de enforcar um sujeito. Ele não aguentou e desmaiou. 

"Quase tive um enfarte", lembra Freitas. "De repente ele levantou do chão como se nada tivesse acontecido e continuou a dar o texto de onde tinha parado."

Longe de defender as atitudes do personagem, o cineasta esboça algumas explicações para o comportamento de Davi. "Ele mata por um ideal, para que as pessoas melhorem, um pouco como no idealismo platônico. Ele não teve o que a gente chama de família."

“O Segredo de Davi” circulou pelo Festival de Montreal e desembarcou no Mix Brasil. Embarcará em seguida para um festival em Los Angeles. 

Aplicado, Freitas estudou detidamente as técnicas de seus ídolos para criar os efeitos especiais e o visual bem marcado de seu filme. “Gosto de filmes com conceito. Quanto mais assertivo na hora de defender suas ideias, melhor. E pesquisar não custa nada, né?”
 

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