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Jô Soares conta em biografia casos engraçados da fauna artística nas últimas décadas

'Livro de Jô' trata de momentos mais conhecidos do público, como sua ida para a Globo em 1970

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São Paulo

"Minhas Memórias dos Outros” era o primeiro título da autobiografia em dois volumes de Jô Soares, cuja segunda parte sai agora. Realmente, mais do que narrar a própria vida, Jô se dedica a contar casos engraçados da fauna artística nas últimas décadas.

“O problema é que esse título já existia. O escritor Rodrigo Octavio lançou esse livro em..., deixa eu ver, 1935”, confirma o humorista, checando a planilha que lista as 4.197 obras de sua biblioteca pessoal (mais uns 500 no Kindle). “Ele lançou antes e roubou o título de mim”, brinca Jô.

O jeito foi se contentar com uma paródia bíblica e assumir o “Livro de Jô”. O texto foi escrito pelo jornalista Matinas Suzuki Jr., a partir de 147 entrevistas (entre 40 minutos e 3 horas) com o artista. Matinas transformava o bate-papo em texto e o enviava a Jô, que inseria travessões e diálogos que presenciou, para melhorar o ritmo da leitura.

“Fiz checagem de alguns dados e algumas entrevistas complementares”, diz Suzuki. “Mas procurei ao máximo preservar a memória que o Jô tem dos fatos. É livro memorialístico e não enciclopédico, o encanto está em como ele preservou as histórias na imensa memória.”

O primeiro volume, lançado há um ano, tratava da infância e chegava até o final dos anos 1960, quando Jô já havia começado sua carreira no teatro e na televisão, como integrante da “Família Trapo”. 

Esse agora trata dos momentos mais conhecidos do público: começa com sua ida para a Globo em 1970, em que estrelou “Faça Humor Não Faça a Guerra”, “Satiricom”, Planeta dos Homens”, e, finalmente, “Viva o Gordo”. 

Fala de sua mudança para o SBT em 1987, quando fez Veja o Gordo e iniciou seu programa de entrevistas, o Jô Soares Onze e Meia, criando uma guerra com o chefão da Globo: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho proibiu comerciais com Jô e seus figurantes na emissora e ainda telefonou pessoalmente ao ex-amigo cobrando duas sungas do figurino do Capitão Gay.

Falando no Capitão Gay (e de seu assecla Carlos Suely), é ótimo ouvir as histórias de seus inúmeros tipos (“paramos de contar quando chegamos a 200”, diz o artista). Nesse caso, certo dia, um militar se aproximou do artista e se apresentou como o coronel Gay, nome real. E que tinha um sobrinho capitão da Marinha, o capitão Gay. “Mas estava tudo bem, ele adorava o personagem!”

Havia o Reizinho, que obrigava Jô a contracenar de joelhos, lhe causando dores e problemas de saúde. E os bordões inesquecíveis para quem viveu a época: “Vai pra casa, Padilha”, “Cala a boca, Batista”, “Bota ponta, Telê”, “Tem pai que é cego”.

O livro é uma sucessão de casos engraçados, como o dia em que Nicette Bruno teve um ataque de riso tão estrondoso que fez xixi no palco e a peça foi interrompida para que ela trocasse de roupa. Ou quando Jô e sua primeira mulher, tementes de uma batida policial em casa, foram passear no parque:

“Ali [no Ibirapuera], numa madrugada de 1968, estacionei o nosso Ford Galaxie bordô. Theresinha e eu descemos do carro, abrimos o imenso bagageiro e dele retiramos duas malas cheias de livro. De costas para a escultura do Brecheret, jogamos as malas no lago. Por segundos que nos pareceram intermináveis e nos deixaram agoniados, elas flutuaram com obras como ‘Da Noruega ao México', de Leon Trótski, e minha edição francesa, de ‘O Vermelho e o Negro’, de Stendhal, antes de submergirem. Depois de eu ser chamado a depor no Dops e de nossa casa ser invadida e pichada pelo Comando de Caça aos Comunistas, resolvemos não ficar com livros que pudessem agravar a situação.”

Há algumas histórias impressionantes: Jô conta que um conhecido homem de TV deu uma festa de arromba para comemorar o aniversário de sua mulher. Na hora dos parabéns, deu-lhe um anel de brilhantes e pediu silêncio pois ia revelar uma surpresa. 

Colocou então no aparelho de som na casa uma fita gravada com a mulher e o amante fazendo sexo, inclusive a parte dos gemidos e gozos. Nesse caso, ele não revela nomes. “Mas todos já morreram”, esclarece.

Leia trechos de 'Livro de Jô 2'

Todos amam um homem gordo começava antes de se abrirem as cortinas do palco. Na noite de estreia, em 15 de outubro de 1969, estreava também, no saguão do Teatro da Lagoa, uma exposição de fotos de socialites cariocas feitas por Jacques Avadis. Então, o lugar estava fervendo de gente quando entrei com a minha motocicleta  BMW branca e estacionei ali. A chegada com a moto marcava o início do show, que ficou cinco meses em cartaz. A direção era do ótimo ator Oswaldo Loureiro, que também conduzia os shows do Chico Anysio. O cartaz era do Ziraldo —ele viria a criar os cartazes de todos os meus futuros espetáculos. Na época, a publicidade de um adoçante dizia: “Ninguém ama um homem gordo. Suita não engorda”. Por isso, meu amigo Magaldi, que estava na sala do Ricardo, sugeriu que o nome do espetáculo fosse Todos amam um homem gordo. Um concorrente do Suita não perdeu tempo: contratou a mim e à Theresinha  pra fazermos uma campanha cujo texto era o seguinte: “A senhora Jô Soares ama duas coisas: um gordo e Assugrin”.

 

"O Brasil entrava num dos períodos mais tristes da sua histó- ria, mas não perdia o bom humor. Aliás, o último ano do general-presidente Artur da Costa e Silva no poder (ele morreu em 17 de dezembro de 1969, sem completar o mandato) foi marcado popularmente pela imensa quantidade de piadas que circulavam indicando que o general não se distinguia pela inteligência. Uma delas dizia que Costa e Silva chegou de moto ao Aeroporto Santos Dumont, no Rio, atravessou a pista a toda a velocidade e... caiu no mar. Quando foi retirado das águas da baía de Guanabara, furioso, explodiu:
— Quem foi o filha da puta que me disse que dava pra pegar uma ponte aérea aqui?
Outra piada sobre o general quem me contou foi o ex-presidente Ernesto Geisel quando, já aposentado da política, o entrevistei em sua casa em Teresópolis (antes de contar a anedota, ele fez questão de dizer que o colega foi um aluno brilhante nas escolas militares pelas quais passou).
Era aniversário do Costa e Silva, e um dos amigos sugeriu:
— Vamos dar um livro pra ele.
Outro amigo respondeu:
— Não pode.
— Por quê?
— Porque um livro ele já tem.

 

Um dos melhores quadros não só do Planeta dos Homens, como também do humorismo da Globo do período, reunia o professor de mitologia Aquiles Arquelau, feito magistralmente pelo Agildo Ribeiro, e o mordomo Múmia Paralítica (Pedro Farah). O texto era de altíssima qualidade e Agildo, com todo o seu talento, incluía digressões exaltando as mulheres, em especial a atriz Bruna Lombardi, obsessão do professor. Infelizmente, Agildo morreu no momento em que eu estava escrevendo sobre nossa participação naqueles programas da década de 1970. Quando o meu programa de entrevistas comemorou quinze anos, achei que precisava fazer uma homenagem aos grandes humoristas do país. Convidei o Zé Vasconcelos, o Chico Anysio, o Paulo Silvino e o Agildo. Como se tratava de um aniversário importante (na época, eu acreditava que manter no ar um programa de entrevistas diário por quinze anos constituía uma enorme façanha —o talk show durou quase trinta...), os convidados todos vestiram smoking. Para minha tristeza, o Agildo Ribeiro chegou a São Paulo com uma virose, foi internado e não pôde participar da homenagem. Deixei, no ar, a sua cadeira vazia, como maneira de lembrar que ninguém poderia ocupar o lugar dele...

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