Descrição de chapéu

Novo filme de Spike Lee grita com imagens em trama sobre Ku Klux Klan

Diretor militante sabe o que faz a cada cena de 'Infiltrado na Klan' e opta pela abordagem direta

Inácio Araujo

Infiltrado na Klan

  • Classificação 14 anos
  • Elenco John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier
  • Produção EUA, 2018
  • Direção Spike Lee

O que primeiro chama a atenção em “Infiltrado na Klan” é sua atualidade. Embora a fantástica trama de infiltração do policial Ron Stallworth na Ku Klux Klan tenha acontecido nos anos 1970, as semelhanças com certas palavras e atitudes do atual governo  americano são muito evidentes para passar em branco.

Só para ficar num exemplo: o chefe da organização que clama por supremacia branca, David Duke, não é um brutamontes idiota, mas um político sutil, com ambições de chegar ao poder. A analogia com Donald Trump fica por conta do espectador, mas não faltam dicas ao longo do filme (aliás, Duke foi um apoiador da candidatura Jair Bolsonaro no Brasil —ajuda a entender a atualidade do filme).

John David Washington, filho de Denzel, em 'Infiltrado na Klan', de Spike Lee
John David Washington, filho de Denzel Washington, em 'Infiltrado na Klan', de Spike Lee - Divulgação

Mas o que não falta neste mundo do cinema são filmes atuais e ruins. Spike Lee é, como se sabe, um cineasta militante: a causa negra é o centro de sua obra, que abordou não raro de forma radical. Cineasta militante não significa militante que toma a câmera e sai por aí filmando.

Lee sabe o que faz a cada cena. Quando invoca “...E o Vento Levou”, quando mostra o pessoal da KKK vibrando diante de “O Nascimento de uma Nação” (o insuperável drama racista que D.W. Griffith trouxe ao mundo em 1915), quando discute os filmes da “blaxploitation”, é de cinema que está falando. Ou, mais precisamente, de como o cinema pode influenciar o sentimento de superioridade racial de alguns (ou explorá-lo, ou eventualmente ajudar na sua superação).

Sabe também do que fala quando trata do racismo americano. Da história original de Ron Stallworth (no filme, interpretado pelo filho de Denzel Washington,  John David Washington), aliás, surge o seu principal companheiro de aventura: Flip Zimmerman (Adam Driver, aliás, cada vez melhor). Um policial judeu.

Ou seja: Ron se faz passar por um racista puro-sangue pelo telefone, enquanto Flip representa o seu papel quando é preciso estar diante do pessoal da Klan. E Flip, que mal sabe que é judeu, começa a perceber então a extensão e a natureza do racismo. Da soma dos dois (e mais alguns cúmplices) surge a perigosa trama.

Temos aí, já, material para um tenso policial. Para completá-la faltava uma garota. E ela aparece na figura de Patrice (Laura Harrier), a bela militante radical por quem Ron toma logo a providência de se apaixonar. Problema: ela odeia tiras (na tradução, ela os designa como meganhas, o que no Brasil costuma se aplicar mais a soldados da PM) e não perdoa Ron por ser um deles.

Cena do filme 'Infiltrado na Klan', exemplo de filme politizado da Mostra de Cinema de São Paulo
Cena de 'Infiltrado na Klan' - Divulgação

Lee conduz a intriga nem sempre muito amorosa sem enfeites. No mais, todo o filme despreza enfeites, penduricalhos digitais ou não, colorismos sofisticados: opta pela abordagem direta de seus personagens. Eles se encarregam dos disfarces.

Pode-se discutir certas escolhas do diretor. Sempre é possível com filmes militantes. Mas nunca se pode negar sua adesão à realidade (mais que ao realismo). Lee completa seu filme com um documentário bem atual sobre enfrentamento de 2017, em que manifestantes antirracistas foram atacados e alguns até mortos. Aquela manifestação de que Donald Trump disse que de ambos os lados havia pessoas de bem.

Pode ser: as imagens de Spike Lee gritam que não é bem assim. No documentário e na ficção gritam. E gritam no tom. Num ano tão cheio de nulidades é bem mais do que nada.

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