Descrição de chapéu

'O Segredo de Davi' exibe falta de senso de equilíbrio na direção

Questões do personagem não parecem prioridade no filme, que tenta ser um eficaz entretenimento

Bruno Ghetti

O Segredo de Davi

  • Classificação 16 anos
  • Elenco Nicolas Prattes, André Hendges, Neusa Maria Faro
  • Produção Brasil, 2018
  • Direção Diego Freitas

Em “A Casa que Jack Construiu”, Lars von Trier prometia um filme sobre a mente de um serial killer. O longa se debruça sobre como o mal opera num indivíduo, mas é antes de mais nada um estudo sobre a mente do próprio Von Trier e de como se pode lidar com pensamentos nefastos (no caso dele, por meio da arte).

“O Segredo de Davi”, do estreante Diego Freitas, a priori se prestaria também a investigar o que leva alguém a sair matando. Em sua estrutura complicada, o roteiro até dá, sim, explicações: são em geral pessoas inseguras, vindas de famílias disfuncionais, que viveram traumas na infância. Mas até aí, qual a novidade?

Davi é um jovem geek que estuda cinema e que, apesar de mais retraído que a média, parece “normal”. Mas às vezes se deixa dominar por forças estranhas e mata pessoas, filmando os seus crimes.

Há referências bíblicas (a história de Davi e Jônatas) e filosóficas (a visão platônica da morte), mas isso importa menos do que toques audaciosos que parecem brotar no script de maneira involuntária —por exemplo, uma complexa alusão ao desejo incestuoso.

Seria interessante saber em que medida essa pulsão se relaciona à vontade de matar, mas as questões de fundo do personagem não parecem a prioridade do diretor. Ele se dedica com afinco a tornar seu filme um eficaz entretenimento, com infindáveis reviravoltas e surpresas de trama. 

Mas falta senso de equilíbrio: na reta final, novos dados vão se encavalando, e o filme termina tão exausto quanto o espectador. Preocupações técnicas e com regras de “cinema de gênero” desidratam o que o longa poderia ter de mais rico, em seu estudo de uma mente criminosa.

Nicolas Prattes está ótimo como Davi: inseguro, tímido, mas nunca apagado. Tem um charme “gauche” que o permite carregar o filme com destreza. Mas nas cenas de crueldade, a coisa desanda: seus olhares “intensos” e o excesso de fluxo lacrimal (nunca um homicida chorou tanto em um filme) dão tom grotesco; o poder assustador das cenas se esvai com as lágrimas.

Embora zeloso de vários detalhes técnicos, Freitas parece ter esquecido outros mais prosaicos. E que, justamente por serem essenciais, comprometem o êxito do filme.

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