Passe o dia com leitores da Ilustrada em 1958

Estreia do caderno, que faz 60 anos, retratava cenas da vida cultural e gostos do paulistano

Ivan Finotti
São Paulo

A primeira Ilustrada, de 10 de dezembro de 1958, é um mapa para a vida cultural do paulistano há 60 anos. Do anúncio do Musaphonic, um elegante rádio com "gabinete de plástico de linhas modernas e aristocráticas" à coluna social do jornalista Tavares de Miranda, que anunciava aniversários e enlaces (casamentos) do high-society, o caderno é uma amostra do que se consumia, se lia e se ouvia.

No cinema, por exemplo, o espectador tinha à disposição produções de todo o mundo, e não apenas americanas. Havia a inglesa "Semente de Paixões" e as italianas "Bígamo à Força", com Marcello Mastroianni, e "Ana de Brooklyn", com Gina Lollobrigida.

Mas os Estados Unidos começavam a avançar. O caderno trazia a coluna Folha de Hollywood, onde descobríamos que Gary Cooper havia feito uma aposta para parar de fumar durante as filmagens de "Heróis de Barro" e, por conta disso, já havia engordado dois quilos e meio no set.

Primeira Ilustrada, com coluna de TV e anúncio de remédio
Primeira Ilustrada, com coluna de TV e anúncio de remédio - Arte Folha

"Está comendo com um apetite devastador. Gary está agora em sua terceira semana de filmagens. Detesta amêndoas e tem sempre em seu quarto uma cesta de maçãs de Utah", informou este caderno.

Após as estreias de cinema e de teatro, uma curiosidade: o formidável circo Piolin estava na cidade, com espetáculos a partir das 20h45.

Os teatros, que anunciavam "luxo, conforto e ar refrigerado perfeito", tinham peças como "Elas Só Usam Baby-Doll", "Gigi de Collete" ou "Alô!... 36-5499". Essa última acaba revelando como os números de telefone em São Paulo eram em 1958, com seis dígitos.

As novidades em discos provam por A mais B que o saudosismo não é um mal que acomete apenas as gerações atuais. Pois em 1958, o LP de destaque se chamava "Nos Tempos do Gramofone".

A coluna Televisão trazia boas dicas para aquela quarta-feira: mais um capítulo de "As Aventuras de Marco Polo" (56 anos antes da versão da Netflix), o programa de Manuel da Nóbrega "Não Durma no Ponto", propondo "a solução de problemas quase impossíveis", e --olha ela--, "Maiôs em Passarela", com "Hebe Camargo como atração principal".

Horóscopo e quadrinhos bateram ponto desde o primeiro número na mesma página. As tiras eram todas importadas: Periquita, Popeye, Virginia, Flash Gordon, Brick Bradford e Manequins Sinistros.

E eis o horóscopo definitivo da sagitariana Ilustrada, devidamente impresso em seu primeiro número: "A agressividade em atividades meritoriais está favorecida. Pense antes de tomar decisões importantes, mas assuma uma atitude".

A reportagem de capa era mais abrangente, baseada numa pergunta: "Você gostaria que seus filhos seguissem a mesma carreira que a sua?".

Entre as personalidades que responderam à questão do jornal estava a escritora Lygia Fagundes Telles, então com 35 anos, que lançava seu quinto livro "Histórias do Desencontro", após o sucesso de "Ciranda de Pedra".

Lygia disse que gostaria, sim, que Goffredo da Silva Telles Neto, que tinha três anos, seguisse sua carreira, mas o rebento se tornou cineasta.

Em um artigo, Manuel Bandeira tentava acalmar os ânimos para a próxima votação da Academia Brasileira de Letras: "No momento, esse [o voto secreto] e outros problemas de psicologia aplicada estão tirando o sono de meus amigos Alvaro Moreira, Aurelio Buarque de Holanda e Afranio Coutinho".

"O conselho que lhes dou é que levem a coisa esportivamente. Uma eleição na Academia, ainda quando se é derrotado, enriquece o candidato de saborosa experiência, vale a pena. E a lista de derrotados é tão ilustre, senão mais ilustre, do que a dos vitoriosos."

Não havia motivo para Bandeira se preocupar com seus amigos. Até 1962, os três estariam eleitos.

Folha faz ciclo de debates culturais nos 60 anos do caderno

Como Financiar a Cultura, às 19h desta quarta (7), é o primeiro de uma série de debates que a Ilustrada realiza em comemoração dos 60 anos do caderno.

Terá a presença do ator Sérgio Mamberti, de Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, e de Rodrigo Linhares, diretor de novos negócios na consultoria Jleiva Cultura & Esporte.

O debate acontece no auditório da Folha (al. Barão de Limeira, 425, 9º andar) e as inscrições, gratuitas, são feitas no site eventos.folha.uol.com.br.

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