Descrição de chapéu Artes Cênicas

Resposta de artistas a polêmicas é como vestir a roupa do inimigo, dizem criadores

Atriz Renata Carvalho, coreógrafos Wagner Schwartz e Elisabete Finger e performer Maikon encenam 'Domínio Público' em SP

Maria Luísa Barsanelli
São Paulo

“O início foi olhar para essa selvageria todo que criaram sobre a nossa imagem”, diz o coreógrafo Wagner Schwartz sobre a criação de “Domínio Público”, espetáculo que responde a polêmicas e agressões sofridas por artistas no ano passado.

“E sentimos que caímos numa arapuca. Tínhamos que dar uma resposta, atender a uma demanda”, continua o performer Maikon K, numa conversa com o público na noite de quarta (21), logo após a primeira sessão paulistana do espetáculo, que estreou em março no Festival de Teatro de Curitiba.

“E eu enxergo nossa resposta como vestir a roupa do inimigo. A gente incorpora o inimigo e rebate aquele discurso. Não estamos mais num lugar fragilizado.”

Fragilizado foi como se sentiram os quatro criadores de “Domínio Público” no ano passado. Maikon foi preso durante uma apresentação de seu “DNA de DAN” em frente ao Museu Nacional da República, em Brasília. No trabalho, o performer tem a pele coberta por uma película que descama, revelando seu corpo nu —ele foi detido por atentado ao pudor.

Já Schwartz e a coreógrafa Elisabete Finger estiveram no centro de outra polêmica sobre nudez. Ele foi chamado de pedófilo após uma sessão no MAM paulista de seu espetáculo “La Bête”, no qual tem seu corpo nu manipulado pelo público, aludindo à obra “Bicho”, de Lygia Clark. Isso porque um vídeo de uma criança tocando a perna e a mão do artista viralizou na internet e gerou protestos. Elisabete, que assistia à apresentação, é a mãe da criança e também sofreu ataques.

Já a peça "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu", na qual a atriz travesti Renata Carvalho interpreta um Cristo transexual, teve sessões vetadas pela Justiça após ser acusada de desrespeitar religiões.

“A gente começou a analisar o que de nós tinha se tornado domínio público, ou domínio do público”, conta Schwartz sobre o processo de criação. Chegaram a uma resposta singela e repleta de ironias, toda guiada pela “Mona Lisa” de Leonardo Da Vinci —uma das imagens mais recriadas do último século.

No espetáculo, os quatro entram em cena cada um a sua vez, tendo ao fundo uma reprodução do quadro de Da Vinci, com seu seu sorriso enigmático.

Schwartz conta que “Mona Lisa” só chegou à fama devido a uma polêmica, em 1911. O italiano Vincenzo Peruggia roubou a tela do Museu do Louvre (dizia que queria repatriar a obra), e a ação quixotesca tomou as manchetes de jornais. Renata lembra que a personagem tem traços masculinos e femininos, e há quem defenda que seu modelo foi na realidade a mescla entre uma mulher e um homem. “Seria Mona Lisa o autorretrato da transgeneridade?”, questiona a atriz.

Maikon trata da redoma de vidro que envolve o quadro e rememora todas as agressões que a obra sofreu de turistas, enquanto Elisabete fala das histórias por trás de sua criação —uma é repleta de especulações sobre uma suposta amante e um suposto filho de Da Vinci.

O espetáculo abre discussões não apenas às agressões sofridas por artistas, mas também a casos recentes de tortura, intolerância e violência. Enquanto fala sobre a Inquisição, Renata fala de perseguições e em dado momento diz: “Ele não me viu com a roupa da escola?”, referência a Marcos Vinícius da Silva, morto em junho após ser baleado enquanto ia para a escola, durante uma operação da Polícia Civil e do Exército no Complexo da Maré.

“Domínio Público” foi criado a convite do Festival de Curitiba, e seu conteúdo foi mantido em sigilo até sua primeira sessão, no fim de março. O mistério acabou por reforçar a surpresa do público ao ver em cena não a virulência que dominou os ataques e as discussões em redes sociais, mas uma resposta sutil e elegante, um tanto cínica, como o enigmático sorriso de Mona Lisa.

Domínio Público

  • Quando Qui. (22), às 20h30
  • Onde Goethe Institut, r. Lisboa, 974
  • Preço Grátis
  • Classificação Livre
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