Aguilar retoma incursão ao universo monocromático após 20 anos

Em 'Ossos e Asas 98', artista lembrado pela predileção pela cor mostra faceta pouco conhecida

Nina Rahe
São Paulo

“Hoje vai ter chopp!”, foi como José Roberto Aguilar divulgou a abertura de sua exposição “Ossos e Asas 98” na galeria Zero. Além do chopp, no entanto, o espaço inaugurado no mês passado na Vila Madalena, em São Paulo, abriga um conjunto de obras que, embora tenha sido exposto pela primeira vez em 1998, revela uma faceta pouco conhecida do artista paulistano que é sempre lembrado por sua predileção pela cor.

As 36 peças, entre pinturas em preto e branco e esculturas de vidro, que foram expostas há 20 anos na galeria Raquel Arnaud, contrastam agora, inclusive, com a própria figura de Aguilar, que transita entre elas com sua camiseta multicolorida.

 

“Essas telas são o estudo de Deus para criar a face do homem e da mulher. Ele as criou sem pincel, com a mão”, é como o artista explica “Faces”, uma série de pinturas que integra a mostra na Zero.

A construção inusitada do discurso, no qual Deus aparece como autor das telas, talvez seja pelo fato de que a individual “Ossos e Asas 98” é, segundo o artista, “um convite para cair dentro do mito da criação do homem”. “Fui apenas um instrumento”, ele conclui.

A exposição original foi concebida como uma continuação da mostra “A Criação do Mundo e o Tempo”, que apresentou no MAM de São Paulo, em 1996, obras que foram criadas a partir de uma tradução de Haroldo de Campos da Gênesis.

Na concepção que Aguilar apresentou no museu paulistano, a origem da terra e dos homens era apresentada por meio de seis telas coloridas de grandes dimensões, além de uma de instalação com esculturas de vidro, que representava o tempo.

Para a sequência na Raquel Arnaud, que agora pode ser vista também na Zero, no entanto, o artista suprimiu a cor para dar conta de uma narrativa na qual ossos e asas representam a dualidade entre sobrevivência e consciência. Nessas pinturas, ao criar o homem, Deus tenta primeiro dar-lhe asas e, sem sucesso, acaba por inventar o cérebro. “Busquei a essência e talvez por isso o mito seja preto e branco. Mas a cor está embutida, já que o branco possui todas as cores”, explica.

Em quase 60 anos de trajetória, o artista –que expôs seu trabalho na 7ª Bienal de São Paulo, em 1963, e se dedicou não só à pintura, como ao vídeo, à performance, à literatura e à música– tem em “Ossos e Asas” sua única incursão dentro de um universo monocromático, para o qual diz não ter retornado nenhuma vez após 1998. Aguilar conta que já havia esquecido a existência das obras da exposição até receber a visita de Pedro Paulo Coelho Afonso, diretor da Zero, em seu ateliê.

 

“Estou adorando esses trabalhos, mas não estava ciente disso antes. Foi apenas quando o Pedro Paulo me visitou que caiu a ficha e pensei: ‘uau, estava lá, na bandeja, esse banquete’”, lembra.

Mas o que queria mesmo, o artista confessa, era expor sua série mais recente, “Oficina de Asas”, cujas imagens ele mostra rapidamente do seu celular. Nelas, mais uma vez, Aguilar se deixa levar pela cor.


Ossos e Asas 98
Galeria Zero (r. Simpatia, 23, Vila Madalena). Até 7/1/2019. Grátis.

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