Para quem gosta de extremos, a carreira de Ana Cañas se presta a dois. Pode ser o retrato de uma cantora corajosa, que jamais lança um trabalho parecido com o anterior. Mas também pode refletir uma artista instável, que atira para lados demais.
O quinto CD indica que os extremos não são, necessariamente, excludentes. Cañas pode ser ousada e repetitiva ao mesmo tempo.
Já no título, o antimachista "Todxs", ela mostra que mulheres poderosas são personagens das canções.
Na primeira faixa, "Declaro My Love" (parceria com Arnaldo Antunes, Taciana Barros e Lúcio Maia), ela mostra as armas. Na letra está aquela que não acredita em príncipes e princesas: "não tenho fada madrinha nem sou Cinderela". Na sonoridade, blues e soul marcados pelo beat eletrônico.
É uma abertura que impressiona, pelas próprias qualidades e por comprovar que Cañas já está em outro lugar.
Nos três momentos seguintes ("Eu Dou", "Todxs", "Lambe-Lambe") e ao longo do repertório, a temperatura sobe, no vocabulário explícito e na afirmação da mulher como dona de seus desejos. O prazer no sexo é também ação política.
É um álbum conceitual e, portanto, faz sentido que os temas se repitam. Mas a força dos propósitos nem sempre tem equivalência poética. A fragilidade de versos como os de "Dói" e "Tão Sua" é disfarçada pelo tratamento vocal e sonoro das faixas.
Melhor dizendo: ela interpreta todas as faixas com voz blueseira, evocando Janis Joplin e afins, com arranjos que são marcados pelo beat, em torno do qual instrumentos atuam com discrição. Esse minimalismo é um trunfo do CD.
O formato escolhido faz parecer que estamos num espaço pequeno, ouvindo interpretações "de verdade", sem a frieza do estúdio. As eventuais fraquezas das canções se tornam uma questão menor.
O efeito colateral é a monotonia que acaba por se instalar, pois são poucas as variações entre as faixas.
Trazer um sucesso como "Eu Amo Você" (Cassiano e Sílvio Rochael) já é uma variação e tanto, pois cria um feliz estranhamento.
"Tijolo" (Posadas) causa estranheza por outro motivo —é explicitamente política e social, representando outro vetor da militância de Cañas. A letra muito bem construída e a troca do blues por uma linha melódica à brasileira funcionam como veneno antimonotonia.
"Tua Boca" não é um Itamar Assumpção top, mas é um Itamar Assumpção e cabe bem no conceito. Dá à cantora a chance de um duo com Chico Chico, filho de Cássia Eller, provável referência de Cañas.
É com "Cria Dor", um blues suave, que o disco termina. Com menos variações, mas com a firmeza e a ousadia que são marca da artista.
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