"E a gente vai começar com essa imagem aqui. Solta para mim, diretor." A apresentadora Jéssica Senra caminha pelo estúdio enquanto na tela sobem registros feitos por telefone celular que mostram falta de iluminação pública na Estrada Velha do Aeroporto, periferia de Salvador.

São 11h30 —12h30 no horário de Brasília— e a TV Bahia, afiliada da Globo, dá início ao Bahia Meio Dia, no horário reservado ao programa Bem Estar nos estados onde não há horário de verão. Será a única das 26 unidades da federação a não veicular a produção.

Em meio a uma crise de audiência no estado, que a colocou na vice-liderança no horário matinal, faixa que vai das 7h às 12h, a TV Bahia derrubou parte da programação nacional para dar mais espaço ao seu principal telejornal.

A medida, considerada extrema para os padrões rígidos da grade da Rede Globo, tem como objetivo enfrentar a ascensão local da TV Itapoan, afiliada da Record, que tem como carro-chefe o programa Balanço Geral.

Entre janeiro e 26 de novembro deste ano, a Record foi líder isolada no horário entre 7h e 11h59 na Bahia, chegando uma média de 8,1 pontos de audiência contra 7,9 da Globo e 6 do SBT. Cada ponto equivale a 37,2 mil espectadores na Grande Salvador.

A Record também registra crescimento no período da tarde, entre 12h e 18h: saiu de uma média de 4,3 pontos em 2014 para 12,1 em 2018. Por trás do avanço da Record está um mix de programas que congrega cobertura dos fatos locais do dia a dia, assistencialismo e histórias de superação.

Sob o comando do apresentador José Eduardo, o Bocão, o programa Balanço Geral Bahia chega a ficar três horas no ar, entre 12h e 15h, exclusivamente com programação local.

É justamente nesse horário que a Record atinge os seus principais picos na Bahia, isolando-se na liderança. A diferença fica ainda maior quando a programação local da Globo sai do ar e abre espaço para o Jornal Hoje e, principalmente, para o Vídeo Show. Na última terça-feira (4), às 14h20 na Bahia, o Balanço Geral chegou a marcar 15,8 pontos de audiência ante 3,6 do Vídeo Show.

Enquanto a Globo mostrava os bastidores de atores e atrizes da casa em seu programa metalinguístico, a Record trazia uma insólita reportagem sobre a "tia do quibe", uma senhora que começou a fazer sucesso com seus salgados vendidos na rua.

Além de ampliar o tempo de programa para uma hora e 25 minutos diários, meia hora a mais, a TV Bahia mudou o perfil de seu principal telejornal, abrindo espaço para comentários e amenidades, além de uma tentativa de aproximação com o público em redes sociais via hashtag #tamojuntoBMD.

Para colocar o projeto em prática, a afiliada da Globo trouxe da TV Itapoan a apresentadora Jéssica Senra, que ocupava a faixa do início da manhã na concorrente.

Com estilo mais informal, a apresentadora faz comentários sobre as notícias veiculadas, num formato que remete a programas como o Balanço Geral. A TV Bahia também estreou dois programas regionais que vão ao ar aos sábados e estuda um programa diário de entretenimento que pode entrar na faixa do Vídeo Show.

Doutora em comunicação e professora da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Malu Fontes avalia que as dificuldades da afiliada da Globo refletem as novas dinâmicas de consumo de televisão.

Para recuperar a audiência, diz, a opção foi tentar brigar pelo público da Record, buscando um estilo mais popular. "A questão é que o público não está aceitando esse convite, o que mostra que não adianta inventar mil piruetas por dia e tentar mimetizar o concorrente. Fica caricato."

O diretor executivo de Televisão da Rede Bahia, João Gomes, afirma que a emissora está, junto com a Globo, acompanhando as primeiras reações da audiência, "com um olhar aberto e flexível". E diz estar certo que o público responderá bem às mudanças.

Mesmo com a perda da liderança na faixa matinal, Gomes afirma que aposta na relevância do mix de conteúdos da emissora. "Respeitamos muito o direito de escolha do público, mas entendemos que audiência acompanhada de credibilidade e relevância é sempre mais valiosa e desafiadora."