Bárbara Wagner e Benjamin de Burca representarão Brasil na Bienal de Veneza

Artistas retratam o universo kitsch do país e ocupam em maio o pavilhão nacional na mostra

Silas Martí
São Paulo

O Brasil de Bárbara Wagner, artista escalada para representar o país na próxima Bienal de Veneza, não vai a vernissages. Seus primeiros retratos de uma periferia flagrada à luz do glamour fake das revistas de moda mostravam o que muitos pensam ser o lado mais real e profundo do gigante latino-americano.

Na praia menos charmosa e mais popular do Recife, ela voltou suas lentes —e um flash corrosivo— a corpos negros e pardos torrando sob o sol, o maço de cigarros Hollywood levado no decote de um biquíni, copos de cerveja brilhando ao meio-dia, engradados e isopores desfilando de mão em mão diante do mar.

Era documental, só que não. O olhar duro, impiedoso com quem nunca frequentaria os editoriais assépticos construídos para seduzir o beau monde, vinha calibrado por uma ambivalência de fundo. Seus homens e mulheres se transfiguram nas imagens —deixam de ser gente como a gente para se tornar exóticos espécimes de uma terra tropical de gosto um tanto medonho.

Dez anos depois de "Brasília Teimosa", a série que levou Wagner a estrear no Masp e despertar a atenção da crítica, ela chega, ao lado do parceiro alemão Benjamin de Burca, à mais tradicional mostra de arte contemporânea do mundo num momento de incerteza.

Ralph Rugoff, o americano à frente da mostra italiana marcada para maio do ano que vem, não determinou um tema para a exposição, seguindo a tendência entre curadores de deixar tudo nas mãos dos artistas, como Gabriel Pérez-Barreiro acaba de fazer na Bienal de São Paulo.

O espanhol, que não escalou Wagner e Burca para a mostra recém-encerrada no Ibirapuera, decidiu, no entanto, levar a dupla a Veneza —uma regra não escrita da Bienal determina que o diretor artístico da mostra em São Paulo também aponte os representantes do país no evento da cidade italiana.

Lá, os artistas, que juntos trocaram as séries fotográficas pela criação de curtas autorais, devem mostrar um filme inédito, adiantando que será um musical, a exemplo de "Estás Vendo Coisas", obra que retrata a cena brega do Recife e que estreou na Bienal paulistana há dois anos.

 

"Eles têm um olhar muito sofisticado, pouco panfletário e muito genuíno sobre a diversidade da cultura brasileira", diz Pérez-Barreiro. "É um olhar muito humano, nada moralista ou censurador."

Mas a indicação deles para o pavilhão nos Giardini quase espanta. Enquanto a Bienal de São Paulo sofreu duros ataques da crítica por se ancorar num escapismo formalista diante de um mundo pegando fogo do lado de fora do parque, a seleção de Veneza traz artistas que retratam sem dó e sem vergonha a realidade ao mesmo tempo kitsch e deslumbrante de cantores evangélicos, funkeiros, farofeiros e drag queens.

É uma celebração muitas vezes ambígua de modas e gostos vernaculares do Brasil, o real mais do que real que, nas palavras de Wagner, muitas vezes nem se parece com arte.

Faz sentido. O diretor artístico da mostra italiana, mesmo não tendo poderes sobre a escolha de cada país para o seu pavilhão, espera ver ali as reações de artistas à atualidade que chama de "tempos interessantes", no caso, um mundo em convulsão em meio a tempestades de fake news.

"Nosso trabalho é documental como ponto de partida, mas caminha para a construção de uma fábula", diz Wagner. "É uma suspensão da convicção, da certeza. Os filmes abrem espaço para outros julgamentos, e neles as pessoas encontram seus próprios medos e preconceitos", acrescenta Burca, que trabalha ao lado da mulher há sete anos.

"O sentido político dos trabalhos está na expressão, no corpo, na voz e nos gestos dos retratados", afirma Wagner.

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