Brasileiros se preocupam mais com kit gay do que com Petrobras, diz cineasta Jorge Furtado

Para diretor, que lança novo filme, comportamentos chocam mais do que questões políticas ou econômicas no país

Drica Moraes e Marco Ricca em cena do filme 'Rasga Coração', de Jorge Furtado
Drica Moraes e Marco Ricca em cena do filme 'Rasga Coração', de Jorge Furtado - Divulgação
Leonardo Neiva
São Paulo

Para fazer seu novo filme “Rasga Coração”, o diretor Jorge Furtado (de "Saneamento Básico, o Filme" e "O Homem que Copiava") precisou adaptar para os dias de hoje o texto da peça homônima, escrita pelo dramaturgo Oduvaldo Viana Filho em 1974.

No original, o jovem Luca era um hippie impedido de entrar na escola devido ao seu cabelo comprido. Já na adaptação, o personagem, interpretado por Chay Suede, perde as madeixas, mas ganha alguns palmos de tecido. Desta vez, a proibição acontece porque o garoto gosta de usar saias.

Para Furtado, que participou de debate após a exibição do longa, na terça-feira (4), o mais fascinante na troca é que as duas interdições polêmicas fazem sentido em suas respectivas épocas.

“A questão comportamental, a roupa, o cabelo, talvez seja a que mais choca, e isso se repete na nossa história. Ninguém estava preocupado na eleição se iam entregar a Petrobras ou o Banco do Brasil [para estrangeiros], mas sim com a mamadeira de bico de pênis e com o kit gay”, afirmou.

Com “Rasga Coração” o diretor disse ter sentido que tinha uma temática tão urgente e conectada ao momento político brasileiro que trabalhou intensamente para que ele estreasse antes das eleições de outubro. Conseguiu exibir uma sessão especial no domingo, 28, data do segundo turno.

“Depois do filme, uma garota me disse que veio ao cinema para não ter de ver o resultado das eleições. O pior é que acabou saindo arrasada da sessão”, contou o cineasta, pontuando o caráter emotivo da história.

O longa, que estreia quinta-feira (6), mostra as incompreensões políticas e sociais que afastam pai e filho, frutos de gerações bastante diferentes.

O pai, Custódio (Marco Ricca), militou contra a ditadura na juventude e foi vítima de tortura devido à sua atuação em protestos. O filho Luca, por sua vez, é vegano, luta contra o preconceito de gênero e se emociona com os pinguins vítimas de vazamentos de petróleo.

Apesar de apenas uma dentre as 122 cenas do filme não constar na peça original de Viana, Furtado disse ter feito grandes alterações no texto, que nos palcos é bem mais longo. “É preciso ter um certo desrespeito pela obra original para poder manter sua essência."

O ator Marco Ricca, 56, também presente ao debate, afirmou reconhecer na tela as particularidades da família de classe média brasileira. Para ele, trata-se de uma história de amor entre pai e filho.

“Essa foi uma peça que teve muito impacto na minha geração e ainda tem relevância. Não é que ela seja um clássico por ser grandiosa, mas porque o país não muda”, opinou o ator.

Da plateia, o consultor de educação Ney Mourão, 53 corroborou a influência duradoura da narrativa. “Essa peça é tão forte para mim que já não lembro mais se foi a primeira que vi ou a primeira que me lembro de ter visto. Teve tanto impacto na minha adolescência que decidi escrever e estudar jornalismo”, contou.

O debate foi organizado pela Folha em parceria com o Espaço Itaú de Cinema. A mediação foi feita pela repórter do jornal Maria Luísa Barsanelli.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.