Quando assistimos a um filme ficamos tão condicionados pela visão que costumamos dar pouca atenção ao papel da audição nessa experiência.
“Culpa” surpreende, em primeiro lugar, pelo modo como privilegia a camada sonora para construir um thriller sensorial.
O longa de estreia do sueco Gustav Möller, representante da Dinamarca na lista semifinal de candidatos ao Oscar de filme estrangeiro, desenvolve, num ritmo de tirar o fôlego, um motivo tradicional do cinema de suspense.
De um lado, está um policial do serviço de emergência; do outro, uma mulher em situação de risco pede socorro pelo celular.
A partir dessa base ficcional que não surpreende pela originalidade, “Culpa” constrói um relato que se fortalece a partir de restrições. Essa ideia de limite aparece desde a primeira imagem, um plano de detalhe em que só identificamos um fone de ouvido. A abertura gradual até enquadrar o rosto de Asger, o policial, revela o campo da percepção ao qual teremos acesso.
Por causa de alguma falta profissional, Asger foi deslocado para trabalhar no serviço de emergência. O teor rotineiro das primeiras chamadas contrasta com a ansiedade que ele manifesta em relação ao julgamento marcado para o dia seguinte.
A ligação de Iben, a refém, replica a situação do policial, pois ambos estão restritos do ponto de vista físico e sensorial, o que fortalece o vínculo entre eles. O não visto equivale ao não sabido que define os dois personagens e que nos atrairá para as armadilhas do roteiro de suspense preciso.
No campo visual, só temos acesso ao espaço de trabalho de Asger, composto por telefones, monitores e alguns colegas ao fundo. Vemos suas reações e, no máximo, o que ele pode visualizar nas telas.
A intensidade da ação, por sua vez, ocorre fora dali, mas é quase toda dada no campo sonoro, nos diálogos e nos ruídos ambientes que escutamos nas ligações telefônicas.
Essa textura, que costuma ser secundária no audiovisual tradicional, torna-se prioritária. Desse modo, o imaginário acede a outra dimensão, já que a ação e a tensão se fortalecem pelo que quase nunca vemos, a não ser nas reações emocionais de Asger reveladas pela interpretação contida de Jakob Cedergren .
O que poderia ser valorizado por virtuosismo técnico ou teórico extrapola esses limites graças a um roteiro que não trata mecanicamente a progressão dramática.
Além de fazer avançar a ação e intensificar os momentos de crise, o suspense fortalece o peso moral que corrói os personagens, uma característica da ficção nórdica.
A conjunção dessas boas e bem resolvidas ideias torna “Culpa” uma surpresa neste fim de ano e põe no radar o nome de um realizador que, em vez de só fazer filme, também faz cinema.
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