Egberto Gismonti diz que atualmente só toca onde quer e só coisas acústicas

Atração de show em Ilhabela, compositor quer disponibilizar obras de graça e vai musicar textos de Guimarães Rosa

Rafael Gregorio
São Paulo

Egberto Gismonti até enviou um roteiro de show para o advogado Samuel Mac Dowell de Figueiredo, organizador e presidente do Instituto Vermelhos, em Ilhabela, mas ele mesmo não se engana.

“Ele insistiu para que eu preparasse um repertório. ‘Faz um programa, Egberto!’ Mas, para ser sincero, eu respondi: ‘Você deve estar me confundindo, eu não faço programa!’.”

Aos 71 anos recém-completados, o compositor e multi-instrumentista até enviou um programa de referência, mas não será necessariamente o da apresentação que fará nesta sexta (28), às 20h30, no Teatro de Vermelhos, encravado no meio da mata atlântica.

Um dos nomes mais relevantes da música nacional, autor de 70 discos e de uma centena de trilhas de filmes, balés e peças de teatro, o músico celebrou 50 anos de carreira neste ano.

Além dele, o festival reunirá nomes como Nelson Freire e Juliana Steinbach no palco situado entre a praia e a reserva do Parque Estadual de Ilhabela, no litoral paulista.

No sábado (29), às 16h, a soprano Carla Cottini se apresenta com o barítono Homero Velho e o pianista Ricardo Ballestero. Mais tarde, às 20h30, Freire e Steinbach tocam juntos.

E, no domingo (30), às 18h, o “Concerto Sinfônico” reúne orquestra e coro sob regência de Júlio Medaglia. Cottini e Velho também participam, além do tenor Paulo Mandarino, a meio-soprano Ana Lúcia Benedetti e o trompetista Erick Venditte, 15, vencedor da edição 2018 do programa de calouros de música erudita “Prelúdio”.

Os concertos marcam a inauguração do piano alemão Bluthner, escolhido por Steinbach na Alemanha, a pedido de Freire, e que chega em parceria entre o Vermelhos e a Fundação Alfred-Heingold.

Os ingressos custam de R$ 20 a R$ 140 e estão à venda no site ingressorapido.com.br.

Avesso a apresentações em teatros modernosos e cada vez mais assíduo no exterior que no Brasil, Gismonti é o principal chamariz do evento.

“Minha ida ao Vermelhos faz parte de uma decisão que tomei há uns cinco ou dez anos e que estou cumprindo quase à risca: só toco onde quero; só toco se não tiver monitor no palco; só toco coisas acústicas, não quero saber de eletrônico; e só gravo fora de estúdio. Tem uma hora que você decide certas coisas na vida.”

A esta altura da vida e da carreira, o que o preocupa é o rigor com a engenharia de som dos locais onde se apresenta.

“O Vermelhos tem um sistema diferente do que eu desejava. Eu queria que o som partisse do centro do teto, em quatro linhas de alto-falantes: graves, médio graves, agudos e harmônicos. Mas topei 
mesmo assim, porque é um lugar diferente, fora da trilha.”

O Centro Cultural Baía dos Vermelhos, em Ilhabela, onde acontece a quarta edição do Festival Vermelhos
O Centro Cultural Baía dos Vermelhos, em Ilhabela - Divulgação

A preocupação tem a ver não só com o público, mas com a autopreservação: Gismonti se cuidou para manter intacta a audição, ferramenta essencial de trabalho.

“Quanto menos volume jogo no público, mais dinâmica e concentração ele vai ter.”

Foi mantendo olhos e ouvidos nas pessoas que o ouvem que ele desenvolveu o projeto que o mantém ocupado há alguns anos: disponibilizar toda a sua obra na internet para streaming e download.

“Chamo provisoriamente de ‘Museu Ativo’: um endereço onde qualquer um possa ouvir e baixar as 900 músicas que compus, além de saber quantas vezes ela foi gravada, por quem e de que forma.”

A ideia, ele conta, é que tudo esteja acessível de graça.

O compositor, que diz saber que isso implicaria abrir mão de fortunas decorrentes da exploração comercial do acervo, credita a ideia a uma “experiência fulminante” antes de um concerto há dez anos.

“Quando subi ao palco em um teatro no interior da Áustria, as luzes ainda estavam acesas e pude ver os rostos sorrindo. Me bateu uma sensação que eu sabia que ia mudar a minha vida: entendi que aquelas pessoas estavam me dando o que têm de mais caro, o tempo de vida. Precisei devolver isso a elas.”

Para realizar a empreitada, o músico afirma ter passado um ano e meio “sendo sabatinado” por advogados sobre direitos autorais, especificamente os direitos correlatos.

A ideia era se preparar para discutir com a Odeon e retomar os direitos de comercialização de seus álbuns lançados pela gravadora, uma subsidiária da EMI extinta nos anos 1990 e cujo acervo hoje é distribuído pela Universal.

“Recuperei o direito de comercialização da maioria desses fonogramas”, diz Gismonti, que calcula ter reunido dois terabytes e meio de áudio, vídeos e documentos —256 mil vezes o tamanho médio de um arquivo de música.

Sua maior dificuldade era achar uma solução de armazenamento, mas isso deve ser superado ao custo anual de US$ 9.000 (R$ 35,3 mil). O obstáculo remanescente, ele diz, é viabilizar a empreitada sem publicidade ou patrocínios.

“Eu não sabia que no conceito atual de comercialização o sentido de grandeza só é traduzido por meio do dinheiro, não da boa vontade.”

Outros dois projetos devem ocupá-lo nos anos por vir.

Primeiro, terminar uma música que começou a escrever em homenagem a dom Helder Câmara, o bispo católico que fundou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e se notabilizou pela defesa dos direitos humanos durante a ditadura militar.

Depois, musicar oito textos do escritor mineiro João Guimarães Rosa e gravar essas canções com vozes da velha e das novas gerações.

O autor de “Grande Sertão: Veredas” presenteou os escritos à cantora Dulce Nunes. Na década de 1960, ela fez aproximações entre música e literatura, como o disco “O Samba do Escritor” (1968), que tem 12 parcerias entre nomes como Jorge Amado, Mário Quintana e o próprio Guimarães Rosa.

“Nada melhor do que ter canções bacanas com letras absolutamente geniais gravadas meio fora de época”, diz Gismonti, que em 2009 lançou o disco “Saudações - Sertões Veredas - Tributo à Miscigenação”, em homenagem ao escritor mineiro.


Programação

Sexta (28), às 20h30
Egberto Gismonti, piano e violão 

Sábado (29), às 16h
Carla Cottini (soprano) e Homero Velho (barítono) com Ricardo Ballestero (piano)

Sábado (29), às 20h30
Nelson Freire e Juliana Steinbach, piano

Domingo (30), às 18h
Concerto Sinfônico com orquestra e coro sob regência de Júlio Medaglia e com participações de Carla Cottini (soprano), Paulo Mandarino (tenor), Ana Lúcia Benedetti (meio-soprano), Homero Velho (barítono) e Erick Venditte (trompete), que venceu a edição deste ano do programa ‘Prelúdio’, da TV Cultura

Festival Vermelhos - Concertos de Ano Novo Teatro de Vermelhos
av. Governador Mário Covas Júnior, 11.970, Ponta da Sela, Ilhabela (SP). Livre. Sex. (28) a dom. (30). Ingr.: R$ 20 a R$ 140, pelo site ingressorapido.com.br. Informações: vermelhos.org.br.

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