Descrição de chapéu Artes Cênicas

'Macunaíma' faz muito sentido no Brasil de hoje, afirma Bia Lessa

Diretora prepara versão musical do romance de Mário de Andrade enquanto faz peça e filme de 'Grande Sertão: Veredas'

Maria Luísa Barsanelli
São Paulo

Relendo “Macunaíma”, célebre romance de Mário de Andrade, a diretora Bia Lessa se demorou na última frase do livro: “Tem mais não”.

“E isso é tão triste. É como se mostrasse que a gente não tem mais jeito”, diz ela, que prepara uma versão musical do livro com o grupo A Barca dos Corações Partidos (de “Suassuna - O Auto do Reino do Sol”), com previsão de estreia em março, no Rio de Janeiro.

 
A diretora Bia Lessa - Greg Salibian/Folhapress

“Eu relutei muito em aceitar o convite [da produtora Sarau], mas ao mesmo tempo acho fundamental que se encene ‘Macunaíma’, faz muito sentido hoje no Brasil, toca muito no que está acontecendo com a gente agora, quem somos, aonde estamos indo.”

Publicado em 1928, a partir das pesquisas de Andrade sobre as origens e as características da cultura brasileira, o romance é o retrato de um anti-herói nacional, uma busca por uma identidade cultural e uma narrativa deslumbrante e triste, como o Brasil.

“Quando ele fala, ‘ai, que preguiça’ [o personagem nasce com preguiça na Amazônia], a gente relê, ‘ai, que preguiça desse mundo’. Eu realmente acho que o ser humano fez algo que não deu certo. E que agora é muito difícil que isso se reverta, nesse capitalismo louco, desenfreado.”

A diretora também pretende brincar com as linguagens do romance, que transita pelo erudito e pelo popular. 

“O livro tem uma coisa extremamente sofisticada, de ser uma colcha de retalhos, fragmentos de muitas obras e de muitos mitos, e ao mesmo tempo não ser nenhum deles, porque nada é puro.”

“Macunaíma” vem na sequência de outra adaptação literária de Lessa. No ano passado, ela dirigiu uma versão teatral de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, que estreou em São Paulo, rodou o país por uma dezena de cidades e agora retorna à capital paulista em nova temporada.

A encenadora criou uma espécie de gaiola, na qual acontece toda a saga do jagunço Riobaldo (Caio Blat), do seu amor reprimido por Diadorim (Luiza Lemmertz), às batalhas e ao seu pacto com o Diabo. 

Palco e figurinos são quase uniformes, rodeados de bonecos de pano, que simulam vítimas de guerra —e integram uma instalação, que pode ser visitada quando não há sessão.

Em São Paulo, a montagem volta a ter o tom intimista com que foi criada —estreou para uma plateia de 200 pessoas. Às voltas pelo Brasil, chegou a fazer apresentações para 2.600, num tom mais épico e sem a tecnologia de áudio da temporada original. 

No palco menor, os espectadores usam fones de ouvido que trazem, em cada saída, as falas dos atores (que por vezes falam ao microfone, como se cochichassem ao ouvido da plateia) e a trilha sonora criada por Egberto Gismonti.

Mas essa não é a única modificação de Lessa em sua releitura do romance. O espetáculo está virando filme, com o elenco original da peça e que deve ser lançado no segundo semestre do ano que vem. 

Intitulado “Travessia”, o longa foi rodado num estúdio, com fundo preto, simulando a cenografia da peça. A encenadora também leva ao cinema uma linguagem teatral, não realista, mas na tela brinca com a imensidão da obra rosiana.

“Eu fiz o filme dentro de um espaço que eu chamo de ‘o nada’. Enquanto no teatro eu falo de uma violência e de uma solidão enclausurada, feita dentro de uma gaiola, no cinema eu falo de uma solidão que é o infinito, não tem fim. É como uma pessoa solta no vazio.”

 

Grande Sertão: Veredas

Sesc Pompeia, r. Clélia, 93. Peça: sáb., às 20h30, dom. dia 25/1/2019, às 18h30; até 24/2/2019 (recesso de 22/12 a 31/12); 18 anos. Instalação: ter. a sex., das 11h às 21h, sáb., 11h às 19h, dom. e dia 25/1, das 11h às 16h; livre

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