Descrição de chapéu Artes Cênicas

Produtora reinventa mercado de musicais com originais marcados pela brasilidade

Andrea Alves junta nomes inusitados em espetáculos que investigam de Suassuna a Elza Soares e Chico Buarque

A produtora cultural Andrea Alves no Teatro Riachuelo, no Rio, onde é encenado o musical "Elza" Zô Guimarães/Folhapress

Maria Luísa Barsanelli
São Paulo

Em seus anos de estudante, Andrea Alves transitou por diversos gostos. O prazer pela música encostou no apreço pela escrita e pela história da cultura nacional. 

“Tinha uma época em que eu achava que seria biógrafa de figuras da música brasileira”, lembra a carioca, 49. 

Mas Alves tem também um lado bastante pragmático, um prazer pela organização e por fazer planilhas —dessas de que ninguém gosta. E foi ali que encontrou um norte para a sua carreira.

Desde 1992, quando concluía seus estudos em jornalismo e em produção cultural, ela está à frente da Sarau, produtora responsável por shows e alguns dos espetáculos musicais de maior sucesso nos últimos anos, como “Suassuna - O Auto do Reino do Sol”, vencedor de três categorias do Prêmio Shell-Rio, e “Elza”, que concorre a seis troféus Cesgranrio.

São produções de médio porte, com orçamentos entre R$ 800 mil e R$ 1,2 milhão —musicais em estilo Broadway não costumam custar menos de R$ 10 milhões. 

Trazem grande apuro musical, composições originais e pesquisa, em especial da história brasileira, e fogem da tradicional narrativa do teatro musical, lembrando por vezes shows de música. Mas não por isso deixam de lado a dramaturgia, sempre bem tecida.

“Pela linguagem, o público pode achar que é um show ou que é teatro. E isso é ótimo”, diz Alves, que começou a carreira agenciando músicos, como Sivuca. “Quero quebrar essa caixinha [da linguagem], fazer com que as pessoas é que definam o que estão vendo.”

“Ela borra muito as fronteiras e desafia a denominação de musical a que estamos acostumados”, diz Rafael Gomes, que dirigiu uma produção da Sarau, “Gota d’Água [A Seco]”, a partir da obra de Chico Buarque. “Nas peças dela, a música é sangue, é arterial.”

De fato, Alves tem um radar para nomes que vêm surgindo na música. Em “Gonzagão - A Lenda” (2015), juntou o diretor João Falcão com atores e músicos que vinham despontando, e o elenco acabou criando uma companhia, a Barca dos Corações Partidos. 

Com eles, a produtora fez depois “Auê” e os juntou ao dramaturgo Bráulio Tavares e ao diretor Luiz Carlos Vasconcelos em “Suassuna”. Agora, a trupe se une à diretora Bia Lessa numa versão musical de “Macunaíma”, prevista para março do ano que vem.

“Andrea proporciona encontros inusitados”, diz Lessa. “Ela é uma curadora, uma pessoa que enxerga, olha o que pode dali brotar e tem um prazer imenso em juntar lé com cré.”

Mais do que isso, ela é tida como um caso hoje raro do produtor que é também criador. Para a biografia de Elza Soares, decidiu não apenas narrar a vida da cantora, mas usar a sua história como homenagem às mulheres brasileiras, interpretadas por sete atrizes-cantoras, quase todas escolhidas em audições. 

O resultado é de aparência simples, mas de cenas potentes e emotivas, estilo que cativou os agentes da biografada. “Várias pessoas queriam fazer um espetáculo sobre a Elza, e eu fiquei quietinha”, conta Alves. Mas por fim foi procurada pela equipe da cantora, que deu a ela o aval para a peça.

“Andrea desenvolveu um olhar estético. Ela nunca assina a criação, mas ela sempre dá ideias”, comenta o diretor André Paes Leme, que trabalha com ela há duas décadas.

“Ela tem uma dosagem muito boa. Muitas vezes a produção interfere na criação, puxando para uma coisa comercial, uma visão dos patrocinadores. Mas Andrea nos dá muita liberdade artística”, diz a atriz Laila Garin, que fez “Gonzagão”, “Gota D’Água” e agora prepara com a produtora e com Paes Leme uma versão musical do livro “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector.

“É como se ela estivesse lá o tempo todo, mas me deu liberdade absoluta”, acrescenta Rafael Gomes. “Ela dá uma abertura, confia em pessoas que ainda não estão estabelecidas dentro do mercado.”

Isso porque a produtora, segundo ela própria, tem uma grande intuição para o caminho dos trabalhos, mas também bastante planejamento.

Para as comemorações dos 80 anos de Ariano Suassuna, celebrados em 2007, a Sarau começou a trabalhar três anos antes, fazendo visitas ao escritor e acessando seu acervo. Uma pesquisa que mais tarde deu origem ao musical “Suassuna”, estreia do ano passado. 

O planejamento também rende às produções uma longevidade incomum hoje em dia. Enquanto a maioria dos musicais fica em cartaz um ano, “Gonzagão” ficou cinco.

“Atualmente levantar um espetáculo pode ser muito lucrativo para um produtor, então nem sempre vale a pena manter uma peça em cartaz muito tempo, vale mais investir em outra”, diz o ator e músico Alfredo Del-Penho, integrante da Barca. “Mas a Andrea aposta na longevidade, dorme e acorda pensando em como fazer o espetáculo ter mais uma apresentação.”

Para tanto, a produtora diz criar uma rede de patrocinadores contínuos, uma relação mantida “com um trabalho praticamente diário” de conversas com empresas. “No Brasil ainda temos um mercado muito esvaziado [de patrocínios], apesar da grande inventividade das criações.”

A rede também se dá na divulgação. Pela característica dos trabalhos, Alves os propaga não somente entre o público de teatro, mas também no da música. É o caso de um musical sobre o compositor Jackson do Pandeiro, uma de suas produções em vista —há outra com Gregorio Duvivier.

“Não me lembro da última vez em que tirei férias”, diz Alves, que dirige uma equipe de 13 pessoas na Sarau. “Só muito recentemente a profissão de produtor tem sido valorizada. E a gente tem que ser um pouco de tudo. É advogado, contador, até psicólogo.”

 

Andrea Alves, 49

Carioca, estudou jornalismo nas Faculdades Integradas Hélio Alonso e produção cultural na faculdade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. É diretora da produtora Sarau, que fundou em 1992. Produziu cerca de 150 trabalhos, como os espetáculos ‘Gonzagão - A Lenda’, ‘Suassuna - O Auto do Reino do Sol’, ‘Gota d’Água [A Seco]’ e ‘Elza’

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.