Há 50 anos estreava no Rio de Janeiro a primeira montagem da peça “Jornada de um Imbecil até o Entendimento” finalizada por Plínio Marcos naquele mesmo ano de 1968. O espetáculo do Grupo Opinião foi dirigido por João das Neves, que viveu toda a vida buscando um sentido de resistência para o teatro até sua morte recente em agosto de 2018.
A montagem atual com direção de Helio Cicero começa com uma homenagem ao antigo diretor do Opinião. Seu primeiro movimento é a entrada do elenco cantando em coro “Silêncio no Bexiga” de Geraldo Filme. A canção é um réquiem sobre a morte de Pato Nágua, antológico mestre de bateria da Vai-vai e uma das primeiras vítimas do grupo de extermínio da polícia paulista chamado Esquadrão da Morte. Isso em 1969, pouco após a promulgação do AI-5.
Como um lamento, a palavra “silêncio” fecha a canção e dá início ao espetáculo. O luto pela morte de João das Neves é, ao mesmo tempo, a lembrança doída da violência praticada nos anos da ditadura militar, quando a peça foi montada e Pato Nágua assassinado.
Em tempos de apagamento e reescrita do passado, é um gesto importante e que merece ser destacado. Além de ser uma bela forma de conexão com a memória e com a obra de Plínio Marcos, autor inconformado, sempre atento aos excluídos e leal aos seus companheiros. Em contrapartida, o empenho pela homenagem beira a reverência. De modo que a montagem atual acaba por subscrever alguns dos problemas desta peça de Plínio Marcos.
“Jornada de um imbecil” é um texto que foge ao tratamento naturalista recorrente na dramaturgia do autor. Com inspiração tropicalista, o esforço é o de apresentar uma alegoria sobre o capitalismo periférico que vá além do retrato da tragédia social para refletir sobre seus mecanismos. Mas a peça não possui aquela objetividade cirúrgica que caracteriza suas mais famosas obras, como “Navalha na carne” e “Dois perdidos numa noite suja”. “Jornada de um imbecil” se arrasta em diálogos enormes descolados das situações que os originam, a trama é truncada e repleta de comentários óbvios, displicência crítica e desordem estrutural.
O espetáculo atual segue o tratamento dado por Plínio Marcos para a peça e faz das personagens palhaços. Mas o excesso de conversação atravanca o jogo popular circense e este, quando funciona melhor, parece dissociado do poder crítico da alegoria.
Apesar de algumas inserções curiosas da encenação, como o coro de jovens vestidos em trajes de gala ou o referencial cenográfico inspirado em Banksy, o resultado é uma montagem acanhada que reverbera os limites da peça e, sobretudo, esforça-se pouco em tentar inscrever o debate nas circunstâncias atuais. O importante gesto de olhar com atenção e respeito para o passado torna-se um tipo de memorialismo sem muito brilho próprio.
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