Descrição de chapéu

Violonista dá sofisticação inédita a peças de 16 países das américas

Novo álbum do violonista brasileiro Fabio Zanon elege 22 miniaturas de caráter popular e folclórico

Sidney Molina

Americas Artista: . Selo: . .

  • Preço R$ 30
  • Autor Fabio Zanon
  • Gravadora GuitarCoop

Uma máxima afirma que os grandes intérpretes se revelam no repertório menos ambicioso; como toda generalização a frase é imprecisa, mas, a seu modo, ajuda a situar as contradições que conduzem da notação no pentagrama ao esforço corporal do instrumentista.

No caso do violão —cujo cânone se estabeleceu somente no século 20, em plena era do disco— o ângulo de ataque das unhas sobre as cordas, as opções de dedilhado e até mesmo as madeiras utilizadas pelo construtor chegam a rivalizar com acordes e melodias na produção de sentidos poéticos.

Tudo isso vem à mente ao longo da escuta de “Americas”, novo álbum do violonista brasileiro Fabio Zanon para o selo GuitarCoop (disponível em formato físico e para download, o que inclui uma versão HD 24 bits de alta qualidade).

O violonista Fabio Zanon que está lançando "America"
O violonista Fabio Zanon que está lançando "America" - Carlos Cecconello/ Folhapress

Conhecido pelo domínio de um repertório extenso e por uma discografia celebrada, que abarca o registro da obra completa de Villa-Lobos, sonatas de Scarlatti, música espanhola e peças do alto romantismo, ele agora deixa de lado as grandes composições para eleger 22 miniaturas de caráter popular e folclórico de 16 países das três américas.

Não se trata, no entanto, de um CD de música popular: são as belezas da música clássica —seu foco na degustação do som, no arco das melodias, nos contrastes de tempo e na escolha precisa dos afetos— que conduzem a viagem de Zanon pelo continente.

Ele utiliza um violão Hauser 2, construído na Alemanha em 1971, sem dúvida a melhor escolha de toda a sua discografia —mesmo considerando que nela estejam incluídos renomados luthiers como Abreu, Rubio e Bouchet. 

O instrumento tem sonoridade similar ao utilizado no LP “The Art of Julian Bream” (1960), que fez decolar a carreira do grande violonista inglês.

Talvez por ser um instrumento de sua própria geração (o violão é apenas cinco anos mais jovem do que o violonista), Zanon não toca como se tivesse nas mãos uma peça de museu. 

Ele se apropria sem medo de seus recursos, o que inclui por vezes uma pegada intensa, com muito volume, mas que nunca perde a elegância (exemplos são as peças do colombiano Gentil Montaña e da argentina Maria Luísa Anido).

Através de uma ambiência perfeita e graves firmes, Zanon passa prazerosamente por um timbre metálico sem arestas, e trabalha com gosto os “crescendo” dinâmicos (como na “Danza Paraguaya”, de Agustín Barrios).

O intérprete parece especialmente feliz com as inúmeras opções de sonoridade nas peças mais lamentosas, como a “Balada para Martín Fierro”, do argentino Ariel Ramírez, ou na amplidão de “Triste n.1”, do uruguaio Eduardo Fabini. Um grande achado é “Aire Índio n.2”, do boliviano Eduardo Caba (1890-1953).

Na “Folk Dance from Honduras” a nota repetida contrasta com a melodia grave doce, o baixo nervoso e o acompanhamento metálico no agudo: é uma aula sobre como uma peça singela e quase kitsch pode deixar o ouvinte hipnotizado.

É possível dividir o álbum em dois momentos, dois “lados” pontuados pelas duas únicas composições brasileiras, o xaxado “Emboscada”, de Paulo Bellinati (faixa de abertura), e o “Bate-Coxa”, de Marco Pereira (faixa 14), que renova a energia do ouvinte para além do próprio álbum.

Duas décadas atrás, Carlos Barbosa-Lima —outro grande violonista brasileiro— migrou do repertório especulativo para arranjos virtuosos de música latina; apesar de incluir no CD sucessos do passado (como “El Día que me Quieras”, de Carlos Gardel), esse certamente não é o caso de Zanon.

O álbum é um (bem-vindo) fluxo de leveza na carreira de alguém cujo papel na música brasileira hoje transcende a referência a seu próprio instrumento: “Americas” é, até aqui, o melhor álbum de Fabio Zanon. E isso não é pouco.

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