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Após explodir com conto 'Cat Person', escritora americana lança livro e vem à Flip

História de Kristen Roupenian sobre relacionamento tóxico virou sensação literária em 2017, na esteira do movimento #MeToo

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Capa de Ilustrada de 21.jan.18

Zé Vicente

Nova York

A americana Kristen Roupenian tem 36 anos, mas aparenta uma década a menos —talvez pelos cabelos curtos, castanhos-claros, ou pelo sorriso constante em seu rosto. No entra e sai de um hotel no meio de Manhattan, é difícil associar de primeira a figura lépida da escritora ao conto que a popularizou, o viral “Cat Person”.

Publicada em dezembro de 2017 na revista The New Yorker, a história virou sensação literária no contexto das muitas denúncias de abuso sexual que emergiram via movimento #MeToo, tornando-se uma espécie de bê-á-bá da evolução de relacionamentos tóxicos.

É a partir do olhar da personagem Margot, 20, que seu par, Robert, 34, é perfilado. A narrativa acompanha as dúvidas dela —deve sair ou não sair com o cara? E, depois, transar ou não com ele? Para quem lê, o homem parece pouco agradável e ativa gatilhos por usar técnicas facilmente identificáveis nos manuais de relacionamentos abusivos.

A escritora kristen Roupenian
A escritora Kristen Roupenian, autora do conto "Cat Person" - Elisa Roupenian/Divulgação

Além disso, o sujeito diz que tem dois gatos (daí o título “Cat Person”), mas Margot não os vê quando vai ao apartamento dele, semeando a dúvida sobre a veracidade de tudo o que ele diz.

Também houve dúvidas sobre o texto de Roupenian. Parte do leitorado acreditava que ela estava compartilhando uma experiência pessoal, o que ela nega. “Mas eu não posso culpá-los. Não havia motivo para que não achassem. Era a primeira história de uma mulher novata, que escreveu de uma forma quase autobiográfica”, diz. “E eu não fiz nada para mudar essas impressões iniciais.”

A repercussão de seu conto foi “incrível, mas assustadora”, relembra. “Acho que pode ser um desserviço achar que as histórias têm que desempenhar esse papel político”, diz ela, que começou a escrever profissionalmente depois dos 30 e explodiu após contratar uma agente para tentar explorar o mercado editorial.

Agora, foi convidada a participar da próxima Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), em julho. “Nunca fui ao Brasil, estou muito animada. Depois, vou tirar umas férias e aproveitar também”, afirma Roupenian, que ainda aguarda para saber quem serão os outros nomes do evento.

“Cat Person” é um dos dois contos cujo título não foi traduzido para o português no livro de estreia de Roupenian, “Cat Person e Outros Contos”, que a Companhia das Letras trouxe ao Brasil —o volume conta com 12 textos, no total. 

O outro sem título traduzido é “Look at Your Game, Girl”, que Roupenian considera um dos mais pessoais, além de um de seus favoritos.

É sobre uma adolescente de 12 anos que conhece um rapaz mais velho, na faixa dos 20 anos, que a apresenta a músicas de Charles Manson (como a canção que dá nome ao conto), líder de um grupo responsável por assassinatos no final dos anos 1960 —inclusive o da atriz Sharon Tate, então grávida do diretor de cinema Roman Polanski.

Na história de “Look at Your Game, Girl”, algo ruim ocorre e a menina fica sem saber se tudo realmente aconteceu ou se foi fruto de sua mente. 

“Quase todo mundo teve uma experiência negativa que ocorreu com alguém próximo e que moldou sua personalidade. Eu acho que a gente vive assim o tempo todo, sem saber o que é imaginação e o que é real”, afirma.

Ela também gosta de “O Cara Legal”, o mais longo do livro. Foi o primeiro que escreveu após “Cat Person”. Tinha medo de não conseguir fazer mais nada depois do estrondo. “Mas voltei e finalizei. Parece algo que conquistei, é maior e mais ambicioso.”

Roupenian, que diz sofrer de ansiedade social intensa, sempre gostou de ler, principalmente ficção científica e Stephen King. Também tentava escrever, mas não sentia o mesmo prazer. Foi só a partir dos 30 anos que encontrou na escrita a mesma sensação de absorção completa que experimentava na leitura.

Foi então que começou a produção dos contos que estão no livro. “Para mim, é uma coleção coerente, mas sei também que é bastante abrangente. Algumas pessoas vão gostar de uns, mas talvez não de outros.”

A primeira história escrita foi “Corredor Noturno”, que traz a vivência que ela teve nos dois anos em que fez voluntariado no Quênia, pela organização Peace Corps. Em todas, a natureza humana, falha, é uma constante, numa crueza que lembra as obras da também americana Gillian Flynn, do best-seller “Garota Exemplar”, que virou filme com Ben Affleck.

Roupenian se sente atraída pelo universo sombrio. “Eu gosto de ser uma pessoa pior quando estou escrevendo. Acho que a ficção é um espaço no qual você pode deixar de lado a necessidade de ter que ser uma boa pessoa o tempo todo.”

Para a autora, há algo de tão sombrio e direto em seus contos, que eles dificilmente servem como lição. Algo como os filmes de terror, diz a americana. “Frequentemente eles têm uma moral, por exemplo: ‘Se você fizer sexo, vai ser assassinada’. Mas não é uma moral, é uma experiência. E sou mais atraída por isso do que por algo que vá me dizer o que realmente fazer.”

 

Kristen Roupenian, 36

Nasceu nos Estados Unidos e é formada pela Universidade Barnard, com doutorado em Harvard sobre literatura africana. ‘Cat Person e Outros Contos’ é seu primeiro livro

Cat Person e Outros Contos

  • Preço R$ 44,90 (256 págs.)
  • Autoria Kristen Roupenian
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Ana Guadalupe
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