'Arqueólogo do punk', fotógrafo e dono de loja resgata clássicos e inéditos

Mateus Mondini já reeditou ou lançou mais de 50 discos de grupos como Olho Seco e Rakta em sua Nada Nada Discos

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São Paulo

Mateus Mondini, 35, não imaginava que encontrar um disco em um sebo o faria soltar na praça mais de 50 álbuns de bandas de punk rock, entre clássicos, inéditos cobiçados e novos grupos.

Mas foi mais ou menos assim para o dono da loja Sub Discos, na galeria Nova Barão.

Aos 20 anos, fã de punk rock, Mondini alternava entre acompanhar amigos em ensaios e shows, descobrir bandas no Myspace e caçar LPs de seus artistas favoritos.

 

Na época, após muito procurar, achou uma cópia do LP “Sub”, a coletânea organizada em 1983 por Edson Pozzi (1962-2011), o Redson, vocalista do grupo Cólera.

Um dos primeiros registros do punk brasileiro, o álbum —que, além do Cólera, trazia Ratos de Porão, Psicose e Fogo Cruzado— tinha peculiaridades que aguçaram a curiosidade do jovem, então já fazendo as vezes de fotógrafo para amigos.

“O disco sai pelo lado esquerdo da embalagem, em vez do direito; o vinil era vermelho, a cor preferida do Redson; e o tracklist era diferente das músicas que de fato tocavam.”

Foi um marco para transformar em um projeto sério o hábito até então amador. Paulistano, casado e sem filhos, Mondini não só elevou seu acervo à escala enciclopédica como também passou a soltar na praça alguns dos clássicos que só podiam ser encontrados em sebos a preços altíssimos.

Para se ter ideia, uma cópia da edição original da coletânea “Grito Suburbano” (1982), que reuniu as bandas Olho Seco, Inocentes e Cólera e é tida como o pioneiro registro de bandas brasileiras de punk, pode ser encontrada por R$ 600.

Hoje, Mondini soma mais de 50 discos reeditados. A lista inclui álbuns clássicos de bandas conhecidas, como Inocentes e Lobotomia, gravações inéditas de pioneiros, como Lixomania e Mercenárias, e lançamentos de contemporâneos, como o trio feminino Rakta, destaque da nova geração.

Chamá-lo de “arqueólogo do punk” não é inexato nem seria exagero creditar a seu trabalho o acesso de milhares —milhões?— de ouvintes a essas bandas.

A ideia de lançar de novo os álbuns cresceu quando Mondini e um amigo produziram shows no Brasil da banda americana Clorox Girls. No ano seguinte, o grupo foi excursionar na Europa e o levou junto.

O período por lá se estendeu por 15 meses, durante os quais conheceu músicos, selos e fabricantes.

O fotógrafo voltou ao Brasil com discos de grupos europeus e começou a lançá-los por aqui com capas que ele produzia em serigrafia —o primeiro foi o da banda sueca Masshysteri, em 2009.

Depois de pegar o jeito, passou a focar álbuns perdidos de bandas nacionais. Foi assim com As Mercenárias, que tiveram demos e gravações ao vivo até então inéditas reunidas no disco “Baú 83-87” (2018).

Já no caso de discos que existem, mas estão sumidos das prateleiras, Mondini tenta sempre inserir material inédito —foi o que ele fez com a coletânea “Sub”, que foi acrescida de uma gravação anterior que acabou descartada pelos músicos.

O trabalho, ele diz, consiste em obter autorizações de artistas e selos —atrações punk dificilmente tinham contratos com gravadoras, que costumam dificultar reedições. “Não tem muito segredo; é ir atrás, ser cara de pau e insistir.”

Outro destaque de seu selo foi o lançamento do LP “O Começo do Fim do Mundo”, registro do histórico festival de mesmo nome que reuniu bandas punk no Sesc Pompeia, em 1982. 

“Por não ser músico, confio no técnico de som para recuperar e tratar o áudio e me dedico à parte gráfica”, diz Mondini, referindo-se a Fernando Sanchez, do estúdio El Rocha, um requisitado profissional de gravação, mixagem e masterização.

Nessa pegada, ele passou a ser conhecido também pelo capricho gráfico de seus lançamentos.

O disco do festival, por exemplo, acompanha um programa com detalhes sobre as 20 bandas que se apresentaram, um texto do escritor Antonio Bivar, organizador do evento, e um livreto de fotos —uma delas, impagável, mostra a arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992), que projetou o Sesc Pompeia, olhando assustada a horda de jovens em roupas pretas rasgadas.

Esse trabalho acabou gerando reflexos além do disco: à ocasião do lançamento da reedição, Mondini ajudou a organizar um show com bandas e artistas ainda na ativa que foi um dos destaques da agenda paulistana em 2017.

Prensar discos pode custar dezenas de milhares de reais, mas “Essa conta é melhor nem fazer”, diz Mondini, rindo. A ideia, ele diz, não é ganhar com as reedições, mas zerar os custos —sua renda vem de trabalhos como fotógrafo e da venda de discos na loja, onde a reedição de “Sub”, por exemplo, custa R$ 170.

Embora já tenha se definido como “fotógrafo aposentado”, Mondini continua retratando amigos; são dele algumas fotos de divulgação do Rakta e até um retrato do cantor Supla que recentemente acompanhou reportagem desta Folha.

O “arqueólogo do punk” também é conhecido pelo trabalho com publicações independentes. Foram dele e de Daigo Oliva, hoje jornalista da Folha, o cultuado zine “Fodido e Xerocado”, dedicado a retratos e de nome inspirado no americano “Fucked and Photocopied”.

"A pesquisa e a dedicação que ele coloca nos seus lançamentos são totalmente inspiradoras", diz Alexandre Cruz, o Sesper, vocalista da banda Garage Fuzz, que também teve álbuns lançados pela Nada Nada Discos.

O futuro reserva planos ambiciosos. Mondini pretende lançar material inédito da banda Fellini e já obteve de Fábio Sampaio, da banda Olho Seco, a autorização para relançar o pioneiro disco “Grito Suburbano”.

Sua reedição vai incluir uma gravação inédita dos Anarcoólatras, banda de vida breve nos anos 1980 liderada por Marco Badin, o Alemão, que no futuro abrigaria shows em seu Hangar 110.

Ele também tem planos de publicar um livro com fotos dessa revolução punk tupiniquim e está abrindo outro selo para relançar um disco chamado “Persona”, imersão experimental de 1975 da banda Tutti Frutti para acompanhar uma instalação do artista Roberto Campadello.

“Vasculhar acervos nas casas dos punks é um trabalhão, mas acaba sendo uma ótima desculpa: sou apaixonado pelo punk brasileiro dos anos 1980. Sem falar em quando algum músico vê uma foto sua ou ouve um som seu que não conhecia; a sensação é de dever cumprido.”

Sub Discos

  • Quando Seg. a sex., das 12h às 19h. Sáb., das 10h às 18h.
  • Onde Galeria Nova Barão - r. 7 de Abril, 154, sobreloja 43, região central, São Paulo.
  • Gravadora Nada Nada Discos (nadanadadiscos.iluria.com)
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