Filme 'Temporada' retrata de forma sutil cotidiano de mulheres negras da periferia

Participantes de debate comentaram presença no longa de temas como racismo e machismo

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Atriz Grace Passô em cena do filme 'Temporada', de André Novais Oliveira
Atriz Grace Passô em cena do filme 'Temporada', de André Novais Oliveira - Divulgação
São Paulo

​​​Embora “Temporada” não seja um filme que trata explicitamente de temas como racismo e feminismo, as questões aparecem de forma implícita e natural no cotidiano dos personagens, cujas vidas circulam em torno da periferia do município de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte.

No longa, que foi o grande vencedor do último Festival de Cinema de Brasília, a protagonista Juliana, interpretada pela atriz Grace Passô, é abandonada pelo marido após um aborto inesperado. Para a ativista feminista negra Stephanie Ribeiro, sua história representa a de muitas outras mulheres negras que vivem nas periferias de todo o Brasil.

“Ela é como várias mulheres que estão sempre lidando com as mágoas desse cotidiano, mas que não podem deixar que isso as afete totalmente, porque precisam continuar vivendo. É uma mulher que está experimentando coisas diferentes e criando novos afetos e laços”, afirmou.

A ativista participou na terça-feira (15) de debate após pré-estreia do filme, organizada pela Folha, Vitrine Filmes e Espaço Itaú de Cinema. O longa está em cartaz nos cinemas.

Um dos aspectos que mais chamaram a atenção da plateia sobre o filme foi a transformação do corte de cabelo da protagonista a partir de determinado ponto da narrativa —antes alisado, ela passa a assumir um estilo black power.

“Pensando pelo ponto de vista das mulheres negras, o cabelo tem uma dimensão simbólica importante. É um signo de uma das transformações mais ferozes da imagem. Não é moda, é uma construção histórica de posicionamento e resistência”, afirmou a atriz Grace Passô.

Para Ribeiro, esse é um exemplo de como o filme busca retratar o racismo e a reação a ele, apesar de não ser essa a questão central da narrativa. “Porque é uma coisa que acontece de forma quase natural, no dia a dia.”

Segundo o diretor André Novais Oliveira, o título “Temporada” se refere a esse período de mudanças na vida de Juliana, que deixa a cidade de Itaúna, no interior de Minas Gerais, onde vivia com o marido, para morar em Contagem.

Lá ela começa a trabalhar como agente pública em uma equipe de combate a endemias como a dengue. Adentrando diariamente dezenas de casas de moradores, ela se envolve com suas histórias e também com os colegas de trabalho que a acompanham nessa jornada.

A ideia de inserir os personagens no contexto do combate a endemias veio de uma experiência pessoal de Oliveira, que trabalhou na área em 2007, também em Contagem. O que o inspirou foi a relação mantida entre os agentes e o público atendido.

“Achava muito bonito que, a cada casa em que a gente entrava, descobria um novo universo, com pessoas que geralmente nos acolhiam, ofereciam cafezinho, bolo”, contou.

Para dar mais naturalidade ao filme, parte dos membros da equipe de saúde pública é de não atores, que trabalharam com Oliveira nessa mesma função na vida real. Além deles, assim como em “Ela Volta na Quinta”, longa anterior do cineasta, os pais e o irmão de Oliveira integram o elenco, desta vez em papéis menores.

Apesar de haver um roteiro fechado, o cineasta preferiu trabalhar com diálogos de forma maleável, acatando sugestões e dicas do elenco. “Havia uma necessidade de a gente se apropriar daqueles diálogos, de torná-los nossos, segundo a forma como cada um fala”, destacou Passô.

Visualmente, a intenção da equipe de produção era evocar memórias da periferia que fugissem do olhar de classe média alta geralmente retratado em filmes. Com esse foco, a equipe fez um trabalho semelhante ao dos agentes de endemias: foram de casa em casa em busca de cenários, objetos, fotos que retratassem a vida e personalidade dos habitantes de Contagem.

​Para Maurílio Martins, produtor de locação do filme, essa característica torna “Temporada” um retrato praticamente fiel à vida naquele lugar. “É um filme que poderia ser usado como documento no futuro, porque fala de forma muito realista do espaço e do tempo daquela região em 2017 [quando 'Temporada' foi gravado].”

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