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Cinema

Na música, curiosidade e audácia de Michel Legrand não tinham limites

Compositor francês morto no sábado (26) fez trilhas de filmes como 'Os Guarda-Chuvas do Amor'

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Michel Legrand não gostava do mundo. Nem o dos adultos nem o das crianças. Gostava de música.

Por isso, sentia que começou a viver no dia em que entrou no Conservatório Nacional de Paris. Tinha dez anos. Nove anos depois já tinha lançado o álbum “I Love Paris”, em que rearranjava músicas da tradição popular francesa.

Seria isso o que queria? Legrand se sentia esnobado pelos músicos eruditos e era apaixonado por jazz. Talvez o sentimento de libertação tenha vindo de Igor Stravinsky, que certa lhe fez a confidência: “Quando se é um verdadeiro criador, não se sabe muito bem o que se faz”.

“Ao ouvir essas palavras”, completava Legrand, “me senti livre e disse a mim mesmo: ‘A música virá a mim no silêncio’”. Pode ser. Mas a música de cinema chegou pela ligação com Jacques Demy, a partir do primeiro filme do cineasta francês, “Lola, a Flor Proibida” (1961). 

Mas, claro, aprofundou-se no originalíssimo “Os Guarda-Chuvas do Amor” (1964), talvez o único filme 100% musical da história, e seguiu forte em “Duas Garotas Românticas” (1967) e “Pele de Asno” (1970).

Naquela altura, Legrand, que nunca tomou partido pela nouvelle vague contra o cinema da “qualidade francesa”, tornou-se uma espécie de compositor oficial do grupo, escrevendo partituras para François Truffaut, Jean-Luc Godard (“Uma Mulher É uma Mulher”) e, claro, Agnès Varda (a mulher de Demy).

Legrand então fazia parte do mais célebre grupo de criadores musicais do cinema francês em todos os tempos, ao lado de Georges Delerue (“Uma Mulher para Dois”, de Truffaut, “O Desprezo”, de Godard, Oscar por “Um Pequeno Romance”, de George Roy Hill, em 1979) e Maurice Jarre.

É verdade que, desses três, Jarre se dava melhor nas composições hiperbólicas, e não será de estranhar que seus três Oscar tenham vindo de filmes de David Lean (“Lawrence da Arábia”, de 1962, “Doutor Jivago”, de 1965, e “Passagem para a Índia” de 1984) e sua ligação com o cinema francês tenha sido mais tênue.

Quanto a Michel Legrand, sua ligação mais profunda no cinema foi com Jacques Demy, tendo os dois trabalhado juntos até o último filme do cineasta, “Trois Places pour le 26”, de 1988.

À época, Legrand já vivia numa espécie de ponte aérea Paris-Los Angeles. Famoso pela curiosidade por tudo, tanto quanto pela audácia, ele não deixaria de experimentar Hollywood, onde trabalhou regularmente desde 1967.

Pouco depois, quando foi chamado a fazer a música de “Crown, o Magnífico”, contava Michel Legrand, ele percebeu que a intriga não durara mais de 20 minutos. Propôs então compor a música antes da montagem e estruturar o filme em torno da música. Assim se fez. O filme foi um sucesso e valeu a Legrand seu primeiro Oscar.

Era essa uma das virtudes reconhecidas de Legrand: não pensar somente a música do filme, mas pensá-la em função de resolver o conjunto. 

Outras: resolver problemas com rapidez e eficiência. E improvisar, como no jazz, uma de suas grandes paixões musicais. 

E, em matéria de música, a curiosidade e a audácia de Legrand não tinham limites. Compunha, tocava piano, cantava. Não estabelecia hierarquia entre gêneros musicais. Podia compor um filme inteiramente musical, como “Os Guarda-Chuvas do Amor”, da mesma forma como, mais tarde, lançou-se na ópera popular e na comédia musical para o teatro.

Mas foi nas salas escuras de cinema que seu talento mais se destacou. Alem de “Crown”, ganhou Oscar com “Houve uma Vez um Verão” (1971) e “Yentl” (1983). Sem falar de uma penca de indicações.

Legrand morreu no último sábado (26), ao lado de sua terceira mulher, Macha Méril, atriz de muitos filmes, como “Roleta Chinesa” (1976), de Rainer  Werner Fassbinder, “A Bela da Tarde” (1967), de Luis Buñuel, e estrela de Godard em “Uma Mulher Casada” (1964). Estavam casados desde 2014.

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