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Poeta Yehuda Amichai é ao mesmo tempo moderno e atemporal

Com 'Terra e Paz', israelense que queria 'bagunçar a Bíblia' tem seu 1º livro publicado no Brasil

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Terra e Paz

  • Preço R$ 62,00 (184 págs.)
  • Autoria Yehuda Amichai
  • Editora Bazar do Tempo
  • Tradução e organização Moacir Amâncio

De todos os instrumentos criados pelo homem, o livro é o mais assombroso, escreveu Borges. Com essa disposição para o assombro recebemos o volume "Terra e Paz", primeiro livro de Yehuda Amichai publicado no Brasil.

Graças à editora Bazar do Tempo, agora o leitor brasileiro poderá fruir de um conjunto representativo e extenso, organizado e traduzido por Moacir Amâncio.

Amichai foi o poeta do fim do amor e das guerras inúteis, das despedidas e de Jerusalém. Sua poesia impressiona pelo amplo espectro das questões que mobiliza e pela aparente simplicidade com que tratou assuntos diletos.

O poeta que queria "bagunçar a Bíblia" interrogou conflitos do espaço-tempo da judeidade numa paisagem contraditória, em tom inglório, munido pela lucidez de quem recolhe restos de sentido no mundo estilhaçado.

"Metade das Pessoas do Mundo" aborda o cerne dos conflitos bélicos que o poeta vivenciou diretamente —como soldado em mais de uma guerra— a partir do ódio que transforma vizinhos em toupeiras cavando a terra.

DDMRM7 Yehuda Amichai (1924-2000), Hebrew Poet.
O poeta Yehuda Amichai - Alamy Stock Photo/Divulgação

Yehuda Amichai nasce na Alemanha, em 1924, sob o nome Ludwig Pfeuffer, numa família de judeus ortodoxos. Com a ascensão do nazismo, a família emigra para a Palestina e, em 1936, acaba se fixando em Jerusalém.

Amichai luta com os ingleses na Brigada Judia do Exército Britânico e depois batalha contra os britânicos na Guerra de Independência de 1948. Com o fim dessa guerra, inicia seus estudos de literatura hebraica na Universidade de Jerusalém. Em 1955, publica "Agora e em Outros Dias", livro que abriu novos rumos para a poesia israelense de sua geração.

Entre seus prodígios está o uso do hebraico em matizes modernos, em versos livres, com uma inflexão coloquial que não o impede de produzir um diálogo vivo com a tradição literária, seja ela talmúdica, seja a poesia hebraica medieval ou o legado dos poetas sefarditas da Espanha.

Reconecta-se com a perspectiva hermenêutica da cultura judaica, em que a relação entre os nomes e as coisas é posta em jogo, mas ele o faz numa língua poética que soa sempre concreta, fluida, o seu modo de fazer perguntas soa simples e natural, como caminhar ou respirar.

Amichai trabalhou também nas difrações do sujeito lírico, toda uma inteligência amorosa que sobrevive ao tempo porque algo nela não pertence à qualidade do que é temporal.

Nocauteia o leitor contemporâneo na lida com sentimentos ligados à perda e ao "finis amoris". Recolhe os vestígios ainda quentes de relações que se quebraram para depois relançá-los na roda do sentido que só o futuro saberá fazer girar.

Retoma também a imagem do amor instantâneo e impossível da modernidade na figura fugaz de uma aeromoça —uma baudelairiana passante das alturas— cuja pequena cicatriz no alto do braço atesta que "pertence ao partido conservador / dos amantes de um só grande amor na vida".

Se "um homem não tem tempo para cada coisa", também o poema precisa driblar essa escassez e se engajar no emaranhado paradoxal de emoções e experiências concomitantes de que é feita uma vida.

Na sombra das guerras há sempre uma cicatriz de amor e todos os seus amores existem nas cicatrizes das guerras. Amichai rearranja corpo e mistério, ódio sem causa e amor sem futuro, religiosidade e experiencia secular, perder e encontrar.

Laura Erber é escritora e editora, é autora de 'A Retornada' (Relicário)

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