Descrição de chapéu Cinema Oscar 2019

Público está distante do cinema brasileiro, diz produtor Rodrigo Teixeira

Indicado ao Oscar, ele lançará filme com Brad Pitt e adaptará história do 'Fofão da Augusta'

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O produtor Rodrigo Teixeira em seu escritório, em São Paulo
O produtor Rodrigo Teixeira em seu escritório, em São Paulo - Rafael Hupsel/ Folhapress
São Paulo

Na sala em que Rodrigo Teixeira recebe a Folha na RT Features, o que mais salta à vista não são os prêmios que o produtor ganhou por filmes como “A Bruxa” ou “Me Chame pelo seu Nome”. São os livros por toda parte.

Leitor ávido, Teixeira, 42, fez das adaptações literárias seu ponto de partida no cinema.

É também uma adaptação a primeira novidade que 2019 lhe traz. Teixeira acaba de adquirir os direitos de “Ricardo e Vânia”, livro que sai em fevereiro pela Todavia.

Na obra, o jornalista Chico Felitti amplia sua premiada reportagem sobre a vida de Ricardo Corrêa da Silva, personagem conhecido em São Paulo como “Fofão da Augusta”.

O ano será agitado para o carioca radicado desde a infância em São Paulo, que diz tentar levar uma vida de interior na cidade grande.

Trabalha 12 horas por dia, mas a três quadras de casa —quando não está viajando: nos últimos 12 meses, conta, fez 26 viagens internacionais. O resultado são dez produções rodadas ou por rodar em 2019.

Na entrevista, realizada dez dias antes da posse presidencial, Teixeira —eleitor a contragosto do PT no segundo turno, após ter votado em Ciro Gomes (PDT)—disse ver com tristeza a polarização que persiste.

Mas afirma não ter pensado em deixar o Brasil, apesar de sua trajetória facilitar o movimento. “Tenho uma carreira fora. Mas, por ter a possibilidade, nunca pensei. Amo meu país. Amo ser brasileiro.”

 

Como o sr. vê a queda de status do Ministério da Cultura?
Vai começar um processo novo, de tentar entender como a gente vai praticar a cultura. Existia uma distância muito grande entre o candidato eleito e o que a gente pensa. O meu discurso é o da classe. Vamos ter que entender se a gente estava certo ou se há capacidade de conversa. Trabalhei nos EUA num governo em que o diálogo com a classe artística tem sido muito pouco. Mas o presidente não interferiu no financiamento da cultura.

É um país com menos subsídios para cultura. O Brasil não tem indústria de cinema como lá.
A gente está lutando para criar. Na França o cinema é subsidiado também. Estava conversando com franceses e os problemas que eles vivem são iguais aos daqui. Os ingleses também. Você não vive esses problemas nos EUA.

Tirando Hollywood, não tem indústria?
Tirando Hollywood o Estado é presente em várias pseudoindústrias de cinema. Na França a relação com o Estado é mais madura. A gente vai ter que brigar por esse lugar. Essa é a meta correta.

A nova composição do Conselho Superior de Cinema tem só um cineasta e uma prevalência de grandes grupos. Como isso afeta a produção?
É um conflito de interesses. Hoje, o que acho é que se dá espaço para discutir a membros que têm interesses que diferem dos da classe de produtores do audiovisual.

A maneira como produzimos é dependente dos incentivos. Majoritariamente do Fundo Setorial do Audiovisual, dinheiro gerado pelo nosso trabalho. Precisamos criar um modelo que possa não ser dependente. É nosso grande desafio nos próximos anos.

Com o novo conselho, a exibição vai mandar na produção?
Não acho que deveria. A gente tem um problema muito grande no Brasil, que é formação de público e de exibidor, até. Em Nova York —é um exemplo, há outros— tinha uma sala destruída, chamada Quad. Um milionário comprou, reformou, contratou um curador. Qual é o trabalho do curador? Fazer com que a sala lote todos os dias. Ele tem uma programação mensal. Você é assinante. Tem retrospectivas, tem filmes que estão saindo, ele equilibrar O que esse cara está fazendo? Formando plateia, novos curadores. Se você conseguir que o público se fidelize, você o reeduca.

É importante o cinema de rua?
Superimportante. A gente não vai combater o VOD [vídeo sob demanda, na sigla em inglês]. Você tem que encontrar saída nos cinemas de rua. O público é formado para ver filme de super-herói —gosto de filme de super-herói—, para ver os blockbusters, a série da Netflix que ela impõe e que não necessariamente é boa. Então tem que formar a plateia.

Para mim, a Netflix é muito similar ao Walmart. Tem todos aqueles produtos, tem coisa boa, mas precisa encontrar. Se não tiver alguém te orientando, você vai acabar comprando um produto mais simples e se guiando por isso.

Em termos de produção, o que poderia favorecer o desmame do recurso público?
Orçamentos mais factíveis. Nos EUA o cinema é considerado independente não por você ser independente, mas porque os filmes de estúdio são acima de xis milhões, e os independentes, abaixo. Existe uma discussão sobre se até US$ 29 milhões [R$ 108,3 milhões] é independente. O cinema independente em que acredito vai até US$ 10 milhões [R$ 37,3 milhões]. Fiz o “Frances Ha”, pequeníssimo, e nunca consegui replicar no Brasil.

Por quê?
A gente tem uma indústria publicitária estabelecida, que criou as bases para os salários da suposta indústria do audiovisual independente. Não posso contratar um profissional que faz publicidade e oferecer no cinema um valor similar. A gente tem que rever orçamentos.

Como?
No “Frances Ha”, na hora do almoço, você dava um dinheiro para a pessoa comer, depois ela voltava para filmar. Aqui tem que prover a alimentação. A gente tem que jogar de acordo com as regras. Mas as regras encarecem. Tem que tentar encontrar uma solução para baixar, para ter capacidade de fazer projetos... não dá nem para falar “que vão dar dinheiro”. Porque o público está muito distante do cinema brasileiro.

Mesmo das comédias. A crise é do formato ou geral? 
Acho que é geral. Cinema no Brasil é caro. Para ir ao cinema, você vai ao shopping, paga estacionamento, comida, quando vai ver, gastou R$ 100. O aluguel no shopping é caro. A sala de cinema é um negócio imobiliário. Alugam cadeira para você. Os caras tentam colocar filmes que têm capacidade de aluguel maior. Não sei como é a conta de um complexo de cinema. Mas tem espaço, a meu ver, para deixar duas salas para filmes de arte ou brasileiros.

Dizem que os roteiros aqui são fracos, a Argentina é sempre o contraexemplo. O sr., que avalia muito roteiro, concorda?
Roteiro ruim tem no mundo inteiro. Se tem roteiro ruim sendo filmado, é porque alguém aceitou filmar. A culpa é de quem produziu. Para não filmar um roteiro ruim, você tem que ter um bom leitor. Tem, sim, bons roteiristas.

Boa parte de suas produções são adaptações. Muitas o sr. anunciou e não vingaram.
Não vingou porque não teve um roteiro à altura. Trabalhei com uma obra-prima do Roberto Bolaño, “Estrela Distante”. Tentei seis roteiros. Nenhum fez jus ao livro. Filmei 44 longas nos últimos oito anos. Vários são adaptações. Você não tem capacidade de filmar tudo que é livro. Nem de ler. A gente tenta, eu trabalho com escala.

Nem todo livro dá filme bom. Como escolher?
Na RT, é mais o que eu gostaria de ver. Quando entrei no “Me Chame pelo seu Nome”, minha equipe de roteiro era contra. Ganhou Oscar de roteiro adaptado. Se fosse seguir a equipe, não faria.


O sr. é votante do Oscar. Como é a rotina?
A rotina é um prazer. Fazer parte é uma honra. Quando entrei, em 2016, recebi um email, achei que era spam. Aí comecei a receber mensagens dos EUA me dando parabéns.

A gente vê todos os filmes. Na primeira etapa, produtor vota para filme e animação. Na segunda, nas 24 categorias. “Roma”, do Alfonso Cuarón, para mim é o melhor filme do ano.

Financiado pelo VOD.
VOD é parte. Foi financiado por um fundo americano da [produtora] Participant Media, que colocou também condicional de sala de cinema. É um passo importante. É um atestado de que existe financiamento para bom cinema no VOD também. “Roma” é melhor que qualquer filme americano do ano. Deveria ganhar o prêmio de melhor filme. Talvez ganhe de melhor diretor e filme estrangeiro.

O sr. já participou das principais premiações. Qual o sr. mais queria vencer?
Ah, é óbvio que você ser laureado como melhor filme no Oscar... A gente tem tanta expectativa. Mas, quando você entra no lugar, não é nada de mais. A premiação ficou mais chata. Os shows diminuíram. Você fica numa cadeira ruim, não pode levantar para ir ao banheiro, com um smoking, sentado, duro. É melhor ver em casa.

A emoção é muito grande, sem dúvida. Você ganhar um prêmio, levantar e ir lá é a melhor coisa do mundo. Mas a cerimônia mais legal é o Bafta. É no Royal Albert Hall, que é circular, você está perto do palco e se sente parte do evento. Agora, o Oscar é um reconhecimento inacreditável.

“Ad Astra”, de James Gray, é seu primeiro filme de escala hollywoodiana. A relação com grandes nomes foi particular, surpreendente, boa, ruim? 
Cara, surpreendente, boa, ruim... Brad Pitt, por exemplo, é um cara muito normal. Eu nunca tinha trabalhado com uma estrela do nível dele. O primeiro impacto é você ficar olhando. Eu olhava tanto que reparei que ele percebia. Só que sou produtor. Uma hora fica natural.

É muito diferente fazer um filme independente aqui e no exterior?
É muito parecido. Diferença eu vi no filme do James Gray. Tinha 11 vencedores do Oscar na equipe. Acho que nesse nível técnico a gente não chega. Não estou falando que o resultado seja melhor. De maneira nenhuma.
 

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