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Artes Cênicas

'Roda Viva' faz sátira mordaz da política e investe contra Bolsonaro

Em remontagem do musical de Chico Buarque, Teatro Oficina mostra presidente como mito forjado pela máquina da internet

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Paulo Bio de Toledo

Roda Viva

Ao contrário da remontagem de “O Rei da Vela” que o Teatro Oficina estreou em 2017, a retomada de “Roda Viva” pelo grupo não refaz a encenação de 1968. Trata-se de um novo espetáculo que se inspira no espírito insubmisso daquele momento no teatro para falar sobre o presente.

Zé Celso Martinez Corrêa coloca o presidente Jair Bolsonaro no centro do musical escrito por Chico Buarque há meio século e que trata da construção e da derrocada de um ídolo, o cantor Benedito Silva (agora vivido por Roderick Himeros). 

Na melhor tradição da sátira política, a nova montagem investe contra o mandatário recém-empossado e os setores da elite conservadora que o apoiaram. 

Mostra o presidente como um patético fantoche repetindo frases prontas; um mito forjado com ajuda da máquina cultural da internet.

Nesse sentido, destacam-se as atuações irreverentes, licenciosas e em diálogo aberto com o público, como a de Guilherme Calzavara (que interpreta o Anjo) e de Marcelo Drummond (Mané), assim como os momentos em que o coro participa e intensifica esta sátira mordaz e sem freios.

Mas este mesmo coro tem duplo sentido durante o espetáculo. Ao mesmo tempo em que compõe a paródia, também se apresenta como uma célula de liberdade, a antítese do obscurantismo conservador que a peça satiriza. 

No final da montagem ecoam os versos de “Cordão”, canção de de Chico Buarque sintetizando a posição do grupo: “Ninguém vai me acorrentar/ enquanto eu puder cantar”.

O coro não insulta a plateia como em 1968, quando terminava o espetáculo jogando flores a um público de “mortos”. A intenção agora parece ser a de construir um momento de comunhão com uma audiência de entusiastas. O que era choque e provocação vira festa. Mas também um ato de resistência (ou re-existência, como prefere Zé Celso).

Só que, nesses momentos, a irreverência da sátira é suplantada pelo idealismo, e o espetáculo perde força. O coro torna-se repetitivo e autorreferente, simulando transes e adulando a si próprio. A imagem da roda-viva como metáfora de um capitalismo que tudo devora vai se diluindo até tornar-se o mote para uma grande ciranda envolvendo artistas e público.

Além disso, no conjunto estético do espetáculo, a fronteira entre a sátira e a celebração torna-se tênue. Durante as canções, por exemplo, é difícil saber o que é paródia e o que é manifesto. 

Já a iluminação criada por Guilherme Bonfanti pouco muda entre momentos tão antagônicos. A mesma luz efusiva, cheia de cores e efeitos incide sobre o processo terrível da construção de mitos e sobre as cenas festivas do coro. Ou seja, o espetáculo da indústria cultural e a pulsão libertária do Oficina são envolvidos pela mesma aura fascinante e hipnótica.

Com o tempo, a sensação é a de que os dois polos em oposição na peça são mais parecidos do que deveriam. Pode ser um desajuste da montagem, como também um sinal de alerta sobre a excessiva mistificação que ronda o teatro.

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