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Carlos Zéfiro era o rei da HQ de sacanagem

Biografia investiga quem foi o autor de quadrinhos que ajudaram a educação sexual de muitos brasileiros

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O Deus da Sacanagem: A Vida e o Tempo de Carlos Zéfiro

  • Preço R$ 59,90 (384 págs.)
  • Autor Gonçalo Junior
  • Editora Noir

Tudo começou num sebo da rua Dom Pedro 2º, quase esquina com a praça Tiradentes, centro do Rio de Janeiro. Alcides Caminha, que tinha o hobby de desenhar mulheres nuas, foi apresentado ao livreiro Hélio Brandão, que lhe fez a proposta: produzir histórias em quadrinhos de sacanagem.

Começavam a nascer ali, em meados dos anos 1940, os "catecismos" (assim chamados porque tinham o formato dos livretos usados nas igrejas para o ensino de religião).

Brandão explicou que havia uma clientela que comprava qualquer coisa ligada a sexo. Caminha topou a empreitada, escreveu e desenhou a primeira história: "Hotel dos Prazeres". Recebeu 3.000 réis pelo trabalho, impresso numa gráfica próxima.

O desenhista receava ser preso, mas o livreiro garantiu que tudo seria feito em sigilo. O risco de ser descoberto era mínimo. Os jornaleiros tinham um cuidado redobrado na hora de vender o produto a adolescentes (e também a marmanjos). Como garantia, disse que as edições não seriam assinadas.

Isso só passaria a acontecer em 1952, quando Caminha adotou o pseudônimo de Carlos Zéfiro. Seus traços fesceninos —e toscos, não se pode negar— ajudaram a educação sexual de muitos brasileiros.

Se existisse uma Escola sem Partido na época, ela não poderia fazer nada. Mesmo clandestinos, "catecismos" eram uma febre na década de 1960, comprados em grandes bancas da Cinelândia e da avenida São João, na maioria dos estados e até na Argentina e no Uruguai.

O jornalista Gonçalo Junior reconstitui essa história no perfil biográfico "O Deus da Sacanagem". A partir da investigação em arquivos e entrevistas, Gonçalo mostra a vida do funcionário público que escondia prancheta, papel e lápis da sua identidade secreta numa casa do subúrbio carioca de Anchieta.

Ao mesmo tempo em que nos revela o artista influenciado por Nelson Rodrigues, o livro traça um painel sobre o mercado editorial das revistas de sexo no século 20. E abre espaço para desfazer a polêmica em torno do "outro Zéfiro", o desenhista Eduardo Barbosa.

Caminha assombrava-se com a chance de ser preso, sobretudo na ditadura militar, que promoveu uma caçada —sem sucesso— para descobrir quem era o pornógrafo com nome de deus da mitologia grega.

Sabia-se que Carlos Zéfiro existia, mas preferia se manter nas sombras, o que só lhe aumentava a fama. A lenda cresceu entre leitores onanistas e pesquisadores sérios, a ponto de ser comparado a B. Traven, autor de "O Tesouro de Sierra Madre", cuja identidade até hoje é desconhecida.

Em 1991 Eduardo Barbosa se apresentou, em entrevista ao jornal A Notícia, como Zéfiro, mostrando até originais. Era fake. Pouco depois, na revista Playboy, Juca Kfouri revelou a identidade do gibizeiro hardcore e underground.

Um homem pacato, aposentado como datiloscopista do Ministério do Trabalho, usando óculos de fundo de garrafa. Apesar da timidez, gabava-se de ter tido inúmeros casos extraconjugais, dos quais tirara inspiração para os quadrinhos.

Para chegar ao furo jornalístico, Kfouri recebeu a dica de que Zéfiro assinara com o nome verdadeiro um clássico da música: "A Flor e o Espinho".

Se ele não era Guilherme de Brito, muito menos Nelson Cavaquinho, só sobrava o desconhecido Alcides Caminha, o terceiro autor. Bingo.

Os versos iniciais ("tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com a minha dor") e até mesmo a letra inteira do samba teriam sido escritos por Caminha. Acontece que o próprio Nelson Cavaquinho sempre admitiu que os versos famosos eram de Guilherme de Brito, que lhe mostrara a primeira parte da música para ele fazer a segunda.

Com o mesmo parceiro —a quem conheceu bebendo conhaque de alcatrão no Cabaré dos Bandidos, bar da praça Tiradentes que era ponto de encontro de compositores e compradores de samba— Caminha ainda fez "Notícia" e "Capital do Samba". Por que a inspiração para compor só lhe chegava ao lado de Nelson? Temos aí um novo mistério.

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