Com equilibrada reverência a gênios do passado e a talentos do presente e farta dose de feminilidade, a 61ª edição do Grammy conseguiu a proeza de parecer relevante.
Em um mundo em que métricas como streams, seguidores em redes sociais e bilheterias cada vez mais superam chancelas institucionais, a premiação pode celebrar ter oferecido bons shows e uma curadoria que fez soar interessante a música de nossa era.
A edição mais feminina da história sucedeu anos em que o Grammy foi corretamente criticado por preterir mulheres. Neste domingo, a cerimônia foi das novinhas, com destaque para Lady Gaga, H.E.R., do melhor disco de R&B, Cardi B (disco de rap) e Dua Lipa, a artista revelação de 2018.
As veteranas também brilharam, e não só as que cantam.
Chamada ao palco no início, a ex-primeira-dama americana Michelle Obama foi ovacionada antes de falar sobre o papel da música em sua vida: “Desde os discos da Motown até as canções que me inspiraram na última década”.
A demanda por representatividade parece ter reforçado a escolha pela cantora country Kacey Musgraves como a dona do disco do ano, além de ter pautado os esforços da apresentadora Alicia Keys.
A performance dela deixou de lado o clima de piadinha frenética de premiações afins e preferiu incensar o talento dos gênios de ontem e de hoje.
Isso significou menos dinamismo, mas foi mais que compensado pela reverência, inteligência e bom gosto de Keys.
Entre tantas boas apresentações, destaque para a de Janelle Monáe, que fez um medley esteticamente impactante de suas canções “Make me Feel”, “PYNK” e “Django Jane”.
St. Vincent e Dua Lipa fizeram show instigante, apesar de as diferenças entre essas artistas ter prejudicado ambas —nem tão rock de vanguarda, nem tão pop sensual.
Também se destacou a cantora Brandi Carlile, nova estrela do country-pop que brilhou em show de alta voltagem dramática e excelência técnica.
O Grammy mandou bem nas homenagens, relembrando Chris Cornell (1964-2017), Aretha Franklin (1942-2018) e Dolly Parton, a “rainha do country”, incensada em vida.
Ainda houve espaço para discurso de autoajuda de Gaga e um inusitado ato pró-Donald Trump da cantora Joy Villa, que foi com um vestido que imitava o muro que o presidente dos EUA quer construir entre o país e o México.
A organização ainda não divulgou a audiência e, por isso, não é possível saber se a festa recuperou parte dos 8 milhões de espectadores que havia perdido na edição passada.
O Brasil foi o segundo país com mais mensagens no Twitter sobre o evento, atrás apenas dos EUA. No mundo, o grupo de k-pop BTS e as cantoras Gaga e Camila Cabello foram os mais mencionados.
Contudo, se quiser resgatar sua credibilidade, o Grammy vai precisar de mais autocrítica e tolerância ao dissenso.
Drake teve seu discurso interrompido por comerciais justamente quando dizia que prêmios não são mais importantes que a transformação que boas músicas provocam.
“Se pagam para te ver, você não precisa disso”, disse, apontando a estatueta, antes de ser calado por reclames. A festa pediu desculpas e afirmou que alguém achou que ele havia acabado sua fala. Não cola.
Também será preciso atentar à presença de negros e mulheres. Em especial quando a suposta branquitude do Grammy teria motivado o boicote de Kendrick Lamar e Childish Gambino, dono do primeiro rap a vencer nas categorias principais.
Uma festa sem artistas da dimensão deles parece menos legítima.
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