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Filme que critica política militarista de Israel vence Festival de Berlim

'Synonyms', de Nadav Lapid, leva o Urso de Ouro; 'Grâce à Dieu', de François Ozon, vence Grande Prêmio do Júri

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O diretor israelense Nadav Lapid ergue o Urso de Ouro neste sábado (16), em Berlim - Hannibal Hanschke/Reuters
Berlim

O júri capitaneado pela atriz francesa Juliette Binoche foi bem fundo na voltagem política ao escolher os principais vencedores do Festival de Berlim, uma das mais importantes mostras de cinema, que acabou neste sábado (16). Do discurso que abriu à cerimônia ao último prêmio anunciado, houve menções ao militarismo de Israel, à pedofilia na Igreja Católica, à censura na China, à violência na Itália e um aceno ao feminismo.

O Urso de Ouro, principal estatueta do evento, foi para o israelense “Synonyms”, de Navad Lapid. A comédia é, sobretudo, uma provocação ao governo de Binyamin Netanyahu. O enredo segue as andanças de Yoav (Tom Mercier) pelas ruas de Paris, munido apenas de um dicionário hebraico-francês.
 
O jovem, que fugiu de Israel, se recusa a falar a língua nativa. Sua decisão, como se verá, é ideológica. Ex-soldado, ele é contrário à política militarista de seu país e se nega até a falar no idioma materno com o seu pai, que tenta resgatá-lo. Desamparado, ele é acolhido por um jovem casal que é uma sátira do estereótipo parisiense: ele é um perturbado escritor, sexualmente ambíguo e dado a divagações existencialistas; ela é sofisticada, impositiva e sedutora.

O dicionário, que o ajuda a saborear as palavras do francês, é a porta de entrada para Yoav submergir na nova cultura. Enquanto rememora sua passagem pelo Exército, narrada em cenas de tintas absurdas, ele encontra um compatriota que é a sua antítese e exalta, aos berros, orgulho judaico. Com humor, o diretor desanca os signos de Israel e satiriza os parisienses —no geral um tanto tarados.

Segunda estatueta mais importante do festival, o Grande Prêmio do Júri foi para o francês “Grâce à Dieu”. A obra, drama político que cutuca a ferida aberta dos casos de pedofilia na Igreja Católica, marca uma inflexão na obra de François Ozon, mais famoso por thrillers psicológicos e eróticos.

O diretor diz que buscava para um novo projeto a história de um drama masculino. Foi quando descobriu a existência de uma associação em Lyon formada por homens que foram vítimas de abusos sexuais na infância, todos cometidos por um mesmo padre. Bernard Preynat, o sacerdote que inspirou o enredo, tenta impedir que o filme estreie na França até que seu processo criminal seja julgado.

Em entrevista à Folha, Ozon disse crer que o filme não vá influenciar o julgamento do padre. “Tudo o que aparece já foi descrito na imprensa. As instituições francesas são fortes.”
 
Os prêmios de interpretação ficaram concentrados nos protagonistas do chinês “So Long, My Son”, o ator Wang Jingchun e a atriz Yong Mei. Eles fazem um casal atravessado pelo luto e pelas convulsões que afetaram a China nos últimos 30 anos, como a política do filho único, a urbanização desenfreada e o rescaldo da Revolução Cultural.
 
A obra de Wang Xiaoshuai traça um panorama crítico das transformações político-econômicas do país. A vitória dos atores do filme não deixa de ser um recado dado pelo júri dirigido ao governo chinês.
 
Isso porque havia outro título do filme em disputa, “One Second”, de Zhang Yimou, que acabou não exibido em circunstâncias misteriosas. A justificativa oficial é que o filme teve “problemas técnicos na pós-produção”, mas a imprensa internacional levantou suspeitas de que isso pode ter a ver com a censura no país. Antes de anunciar os premiados, Binoche leu uma carta assinada por ela e pelos demais jurados do Festival de Berlim, afirmando descontentamento diante da retirada do longa de Zhang. “O filme merece chegar aos cinemas.”
 
Os jurados optaram ainda por premiar uma mulher com o prêmio de direção: a alemã Angela Schanelec, que usou elipses para construir seu “I Was at Home, But”. O longa é costurado por cenas que, a princípio, parecem não se comunicar num mesmo fio narrativo.
 
O prêmio de melhor roteiro também teve cara de manifesto político. O vencedor foi o italiano “La Paranza dei Bambini”, história sobre um grupo de garotos que querem se firmar como uma gangue violenta num bairro napolitano. A vitória foi um reconhecimento do trabalho do jornalista Roberto Saviano, que escreveu o romance que inspirou o filme.
 
O autor vive sob escolta da polícia há 13 anos, desde que passou a ser ameaçado de morte pela máfia. Seu livro mais conhecido, “Gomorra”, investiga as ramificações da organização criminosa Camorra. No ano passado, o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, ameaçou retirar a escolta de Saviano, seu notório crítico.
 
O Brasil não tinha nenhum longa concorrendo ao Urso de Ouro. Mas o curta “Rise”, da artista brasileira Bárbara Wagner, feito em parceria com o marido, Benjamin de Burca, foi vencedor do Audi Short Film Award, concedido pela montadora que é uma das patrocinadoras do festival. A obra documenta atuação de um grupo de jovens rappers e poetas que se encontram num centro comunitário no subúrbio de Toronto.

Wagner e Burca representarão o Brasil na próxima Bienal de Veneza, em maio.
 
Fora da seção principal, o documentário “Espero a tua (Re)Volta”, de Eliza Capai, levou o prêmio da Anistia Internacional. A obra acompanha as ocupações de escolas secundaristas por adolescentes paulistas em 2015.

PRINCIPAIS VENCEDORES

Melhor filme: “Synonyms”, de Nadav Lapid (Israel)

Grande Prêmio do Júri: “Grâce à Dieu”, de François Ozon (França)

Melhor direção: Angela Schanelec, “I Was at Home, But” (Alemanha)

Melhor ator: Wang Jingchun ,“So Long My Son” (China)

Melhor atriz: Yong Mei, “So Long, My Son” (China)

Melhor roteiro: “La Paranza dei Bambini” (Itália)

Prêmio de Novas Perspectivas: “System Crasher” (Alemanha)

Contribuição artística: “Out Stealing Horses” (Noruega), por sua direção de fotografia


 

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