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Globo se desgastou em vespertinos e novelas e sofre queda de audiência

Concorrência do streaming e de praças regionais faz emissora perder fôlego nos horários que antecedem as 23h

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Os apresentadores Joaquim Lopes e Sophia Abrahão no último Vídeo Show
Os apresentadores Joaquim Lopes e Sophia Abrahão na apresentação que encerrou mais de 30 anos de "Vídeo Show", em janeiro - Divulgação
São Paulo

Novelas com diálogos e enredos que assumem poucos riscos. Programas de auditório com visões adocicadas da vida e pouca coragem na hora de estimular enfrentamentos de ideias. Tardes loteadas com reprises. Faustão aos domingos há 30 anos. E uma grade de programas que permanece quase igual desde a década de 1970.

Tudo em que a TV Globo inova hoje nos horários após  as 23h ela esqueceu de fazer no resto da programação.

Com a ascensão de concorrentes de peso no streaming, a derrota em algumas praças e o desempenho abaixo do esperado de alguns programas vespertinos, a rede tenta hoje correr atrás do prejuízo —sob o risco de ver sua hegemonia, ainda inegável, se desgastar com o tempo.

No fim do ano passado a emissora acordou para o nicho que representa o futuro da TV e reviu o formado de sua plataforma de streaming. 

Especialmente nas regiões metropolitanas, os serviços de vídeo sob demanda dos canais de TV paga e da Netflix, por exemplo, têm ganhado vasto terreno. A Globo passou a lançar na internet produções mais caras, como aconteceu com “Ilha de Ferro” em novembro. A série ainda não foi para a grade da TV aberta.

Nem mesmo a Copa do Mundo impediu uma leve queda de audiência da emissora. Segundo a Kantar Ibope, o Painel Nacional de Televisão registrou redução de 4% de 2017 para 2018 na faixa das 7h à 0h.

Até então, a Globo vinha recuperando audiência desde 2014, ano em que sofreu um tombo mais dramático. O momento mais baixo da curva foram os 15,1 pontos de média daquele ano, contra os 16,5 até dezembro de 2018 —cada ponto equivale a 711 mil espectadores. 

Ainda entre 7h e 0h, o share domiciliar da Globo —percentual de televisores sintonizados— teve queda de 2017 para 2018, oscilando de 36,7% para 35,9%. A Record e o SBT disputam a vice-liderança, com o canal de Silvio Santos um pouco à frente. 

Isso é efeito de programas que ganharam popularidade na concorrência. O “The Noite”, talk show comandado por Danilo Gentili no SBT, bateu o “Conversa com Bial” em diversas madrugadas do ano passado. 

Com as ultrapassagens do jornalístico Balanço Geral, da Record, exibido no início da tarde, o “Vídeo Show” acabou se despedindo da grade.

O crescimento da audiência da TV paga desde o início dos anos 2000, mesmo com uma redução de marcha nos últimos dois anos, causou a pulverização do público, diz o pesquisador de rádio, TV e internet Daniel Gambaro. 

O fim do “Vídeo Show” encerra um tipo de estratégia —a de mostrar bastidores da própria Globo— que resistiu por 30 anos, mas envelheceu.

“Havia um desgaste da marca ‘Vídeo Show’, que faz questionar se a audiência ainda quer gastar tempo com a exibição superficial das celebridades da casa." 

“Em tempos em que os segredos da produção podem ser revelados em outros espaços, como na plataforma GShow e no YouTube, a emissora está certa em questionar a viabilidade do programa”, diz Gambaro. 

Diretor de comunicação da Globo, o publicitário Sérgio Valente diz que as mudanças promovidas no alto comando do canal, no fim do ano passado, foram resultado de um planejamento de longo prazo e de pesquisas sobre diferentes cenários de mercado. 

“Não vou dizer que a audiência não interessa, mas ela é importante em um mix dos fatores. Não existe decisão de mídia importante neste país que seja tomada exclusivamente pela audiência”, disse ele.

Publicitários consultados para esta reportagem atestaram que isso é verdade. Existe interesse em produtos que mirem audiências específicas, ainda que menores. “Conversa com Bial” é um exemplo, visto como mais sofisticado. Mesmo derrotado com frequência pelo “The Noite”, o programa de Pedro Bial, segundo Valente, não corre risco de mudar.

“Olha a repercussão da denúncia sobre o João de Deus”, diz, lembrando ainda que o programa tem boa audiência no GloboPlay, a plataforma de streaming do canal, na qual disponibiliza seu acervo e contrata produções próprias.

Contudo, oferecer reprises de novelas, séries, humorísticos —o diferencial são as séries produzidas fora da emissora— não parece ser “uma garantia de assinantes, apesar de se tratar de um acervo muito valioso”, afirma Gambaro.

Talvez por isso, a lógica na TV aberta não tenha mudado. As novelas, principal pilar que norteia a tabela de custo publicitário, ainda seguem o conceito de obra aberta, sendo afetadas pela opinião de espectadores reunidos nos chamados grupos de discussão.

“A TV é uma piscina de muitas profundidades. Ela precisa ter um pedaço que dá pé para todo mundo e lugares mais profundos, que desafiam as pessoas a nadar”, diz Valente. “A TV que se pauta pela média cansa, fica datada.”

Parte considerável da pressão exercida sobre o canal vem de alas conservadoras da sociedade. “Amor & Sexo”, que se engajou em causas de gênero, por exemplo, amargou sua mais baixa audiência na temporada exibida no final do ano passado, com uma queda de 29% em relação às medições do ano anterior.

Valente nega que a atração tenha morrido, embora ela não esteja no plano deste ano, e diz que a decisão não tem a ver com a gritaria na internet. 

Atenta a pesquisas, a emissora prefere encerrar produtos de sucesso enquanto ainda têm fôlego, diz ele, como foi com a última temporada do humorístico “Tá no Ar”.

Segundo Valente, o norte progressista dos humorísticos ou de “Amor & Sexo” não é prejudicado pelos ataques. “Não existe espaço hoje, na sociedade mundial, para marcas que não têm posicionamento.”

A receita majoritária dos bilhões faturados pela Globo ainda vem da TV aberta, mas Valente diz que “a maior receita está no espaço que você promove”. “A pessoa que compra espaço publicitário compra pelo todo. Se só tivéssemos isso [audiência], não teríamos o valor que temos.”

A ameaça da Record em praças como a Grande Salvador, na Bahia, porém, fez a Globo ceder a opções localmente mais populares. Entre janeiro e dezembro do ano passado, a concorrente foi líder isolada no horário entre 7h e 11h59, chegando à média de 8,1 pontos contra 7,9 da Globo. Cada ponto equivale a 37,2 mil pessoas na região baiana.

Segundo Luciana Schwartz, diretora da consultoria de marketing VML, “a TV aberta segue relevante no mercado nacional, pois 97,3% dos domicílios do país têm TV”, diz.

“Algumas atrações da Globo seguem com alcance diário de cem milhões de pessoas, o que representa 99,4% de cobertura do país. Mas, em determinadas faixas, SBT, Band, RedeTV! e Record batem recordes de audiência e geram oportunidades para as marcas.”

Schwartz acrescenta que a TV aberta ainda tem a maior receita publicitária do país e que esse número cresceu se comparado o primeiro semestre do ano passado (61,8% de participação) ante o mesmo período de 2017 (59,6%).

Aí mora o paradoxo. O medo de perder fatias desse bolo trava inovações na programação.

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