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Livros

'Lucky Jim' é uma insubordinação espiritual contra a Inglaterra cinzenta

Romance, publicado no pós-Segunda Guerra, é uma sátira brilhante à vida universitária

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João Pereira Coutinho

Lucky Jim

  • Preço R$ 74,90 (328 págs.)
  • Autor Kingsley Amis
  • Editora Todavia
  • Tradução Jorio Dauster

Nos anos da adolescência havia um bar chamado “Lucky Gin”. Era um antro mal cheiroso e mal frequentado mas a minha turma lusitana gostava de passar por lá: as bebidas eram baratas e, no meu caso, havia uma razão literária: o dono da espelunca gostava de Kingsley Amis. Ou, pelo menos, eu imaginava que sim: só um leitor de “Lucky Jim” poderia substituir o nome do personagem pela bebida que mais se vendia ao balcão. 

Lembrei-me do passado quando relia por esses dias o primeiro romance de Kingsley Amis. Não apenas pelas semelhanças fonéticas entre o livro e o nome do bar —Proust explica...—, mas porque “Lucky Jim”, quase três décadas depois da minha primordial leitura, continua a ser o romance mais divertido do século 20 inglês.

Peso bem as palavras: P.G. Wodehouse ou Evelyn Waugh, dois satiristas de gênio, podem ser superiores no conjunto da obra; mas nenhum deles nos ofereceu algo tão hilariante como “Lucky Jim”.

No centro da história, está Jim Dixon, jovem professor em cidade universitária da província que vive angustiado com o seu futuro na academia. Ele, um historiador do período medieval, detesta o que faz, foge dos alunos que sabem mais do que ele, vive aterrorizado pelos caprichos do catedrático demente —o inesquecível Professor Welch— e, apesar de tudo, não concebe para si próprio uma outra vida. Dixon é um caso de paralisia existencial.

O escritor Kingsley Amis, em foto extraída do livro 'Landmarks', da fotógrafa Fay Godwin - Fay Godwin

Pelo menos, até ao dia em que entra em cena o filho do Professor Welch —Bertrand, um pintor pedante e diletante— e a sua namorada londrina, Christine Callaghan. O encontro entre Jim e Christine vai obrigar o primeiro a sair da modorra.

“Lucky Jim” é uma sátira brilhante à vida universitária, em especial à existência esquálida do baixo clero professoral. Está lá tudo: a submissão aos mais velhos e o ressentimento contra eles; a castração intelectual e a deliquência plagiária na hora de produzir qualquer coisa; a covardia moral e os ataques de fúria (em privado); e o álcool, sempre o álcool, responsável por momentos antológicos do romance. A descrição das ressacas de Jim é uma proeza literária só acessível a quem sabia do assunto.

Mas “Lucky Jim” é mais que isso: é uma meditação séria sobre aqueles que “perdem a vida por gentileza”. Inicialmente, Jim Dixon é esse mártir: ele aguenta tudo —os terrores sobre a carreira; os comportamentos egoístas do seu superior hierárquico; até a manipulação sentimental de Margaret Peel, uma namorada neurótica— porque existe no bom Jim um excesso de gentileza.

Mas Jim, ao contrário dos seus pares —jovens bovinos e patéticos que não conseguem sair da teia onde vegetam – tem pelo menos duas vantagens: um certo juízo crítico sobre a sua condição; e sorte, muita sorte, quando arrisca mudar de vida. “Lucky him”.

O romance, publicado no Reino Unido em 1954, lançou Kingsley Amis para o estrelato. Não apenas pelas qualidades literárias da obra; mas porque ela expressa uma insubordinação espiritual contra o país cinzento e conformista do pós-Segunda Guerra.

Como explica o biógrafo Humphrey Carpenter, Kingsley Amis faz parte de uma geração de autores que abalou a cultura inglesa em todas as frentes: no romance, com Amis ou Colin Wilson; na poesia, com Philip Larkin; no teatro, com John Osborne e Harold Pinter.

Foram eles, os famosos “angry young men”, que abriram as janelas de uma casa bafienta para os novos ares dos “swinging sixties”.

Brindo a isso. Com gin, claro, em memória dos verdes anos. 

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