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Marco Nanini tira a roupa em filme sobre enfermeiro gay que ama Greta Garbo

'Ele é um Giulietta Masina', diz diretor de drama brasileiro que integra a seleção do Festival de Berlim

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Berlim

“Deita naquela cama e me chama de Greta Garbo”, sussurra Marco Nanini na pele de um enfermeiro gay que idolatra a atriz sueca. O filme “Greta” descontrói a imagem de pai de família que a TV colou no ator nos últimos anos e o coloca no que talvez seja seu papel mais ousado no cinema. A obra dirigida pelo cearense Armando Praça integra a seleção do Festival de Berlim.
 
No papel do amargurado Pedro, que se afeiçoa a um criminoso hospitalizado, ele tira a roupa e protagoniza momentos picantes nesse drama sobre a solidão na cidade grande.
 
“Talvez as pessoas se assustem, espero que não, mas eu também já estou velhinho, daqui a pouco já vou...”, brinca o ator de 70 anos ao encontrar a reportagem, na capital alemã.

“Minha única preocupação nelas é que não botassem a minha barriga na tela grande. Já basta ela com o tamanho natural.”

Cena do filme 'Greta', de Armando Praça, que faz parte da programação do Festival de Berlim
Marco Nanini em cena do filme 'Greta', de Armando Praça, que faz parte da programação do Festival de Berlim - Divulgação


 
Desconstruir a imagem do pai da grande família brasileira era um dos objetivos do diretor ao escalá-lo. Mas não só.

“Ele é gigantesco, tem uma carreira brilhante de experimentações. E compreende bem o drama e a comédia”, diz Praça. “Há sempre algo de tragicômico nele, meio ‘clown’. O Nanini é uma Giulietta  Masina”, arremata, citando a musa felliniana.
 
Como gênero, “Greta” é um claro tributário da tradição brasileira do cinema de realismo social. Reúne um punhado de gente desamparada, saída das franjas da sociedade. Denise Weinberg interpreta uma cantora transexual às vésperas da morte que nutre uma dependência de Pedro. Démick Lopes faz o bandido com quem o personagem de Nanini cria uma inusitada relação.
 
A origem do projeto, contudo, não poderia ter vindo de uma base menos suspeita. O filme é uma adaptação da peça de humor escrachado “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá”, de Fernando Mello. “O texto é bem escrito, mas o deboche com os homossexuais é algo que não cabe mais. Me incomodava”, diz Praça, que acabou sublinhando o que não aparece no texto, isto é, o drama íntimo daquele enfermeiro.
 
“Esse lado obscuro não aparecia na peça, que não mostrava a contrapartida dramática”, diz Nanini. “É uma visão bem oportuna. Mostra a fragilidade dessas criaturas, que não são animais selvagens.”

Para o diretor, o personagem principal é um solitário que “caiu nas armadilhas da indústria cultural, que vende a imagem do homossexual como viril e exuberante”. “A vida inteira idealizou modelos de beleza, de relação, o que tem muito a ver com ele ser fã da Greta Garbo.”
 
O ator Démick Lopes, que vive o criminoso, diz que a história tem uma “importância política” por ser lançada em ano de governo Bolsonaro. “Nosso país é muito violento com essa gente.” E levanta a bola para o aspecto da trama, que é o de “explorar a sexualidade das pessoas mais velhas”.
 
A seu lado, Nanini conta que até já fez cenas menos despudoradas, como no filme “A Serpente”, de 1992. “Eu tinha que fazer xixi no Cristo Redentor. Acabou virando filme cult, mas eu nunca vi.”
 
Ele também não sabe se terá coragem para ver “Greta”. Quase nunca assiste a si mesmo, nem mesmo na TV.

“Quando interpreto, sempre acho que tô fazendo uma coisa, e descubro só na tela que é outra. Na peça ‘Pterodátilos’, eu estava crente que fazia uma menina de 15 anos. Quando filmaram, foi um choque. Era um senhor fantasiado de menina de 15 anos.”
 
O ator tampouco gosta de dar opiniões políticas, “porque virou uma guerra e tudo é polêmica”, diz ele, que votou em Marina Silva no último pleito. “A situação está terrível, mas não é só agora com Bolsonaro. Vem desde depois do segundo governo do Lula, quando a coisa começou a destrambelhar com roubalheira.”
 
Entre suas várias tiradas espirituosas, Nanini afirma que não gosta muito de ir a festivais, “por questão de temperamento”. “É muita gente, te obrigam a ter opinião sobre tudo. Gosto mais é de coqueiro, rede.”

O jornalista se hospeda a convite do Festival de Berlim

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