O que tem a Guerra Civil Espanhola para que, 80 anos depois de seu final, tanta dor, tanta paixão e tanto terror continuem a atormentar o país e a sua memória?
O século 20 foi pródigo em horrores: o Holocausto, as bombas atômicas lançadas sobre o Japão, os gases da Primeira Guerra, o massacre dos armênios, a desonra do colaboracionismo francês...
Sim, melhor não entrar na América Latina e em seus muitos ditadores. Fiquemos no Velho Mundo. Ou tentemos ficar: quando a Espanha abre a caixa de Pandora de sua Guerra Civil sobra para todo lado.
Para nós do Brasil, para começar, não faltam semelhanças inquietantes entre a lei de anistia espanhola, conhecida como “esquecimento”, e a nossa Lei da Anistia “ampla, geral e irrestrita”, o que incluiu, é claro, notórios torcionários.
Mas o inquietante esquecimento espanhol vai bem mais longe do que o nosso, pois a guerra termina em 1939, enquanto as atividades de um torturador conhecido como Billy the Kid, por exemplo, começam 30 anos depois e se estendem até a morte de Franco, o tirano do país.
Sobra também para o Chile. Afinal, foi na Espanha que pela primeira vez tentou-se julgar Pinochet, o chileno, por crimes contra a humanidade. Não funcionou, mas, no fim das contas, o Chile mudou bastante sua lei para que a condenação atingisse, afinal, o principal responsável pela insana matança promovida naquele país a partir de 1973.
Entra na dança, também, a Argentina. Pois foi lá que foram bater os atormentados filhos de desaparecidos, ex-torturados, mães de bebês sequestrados, na tentativa de driblar os efeitos da lei espanhola de anistia.
Para resumir, é essa a complexa história que Almudena Carracedo e Robert Bahar (com produção de Pedro Almodóvar) narram no filme “O Silêncio dos Outros”.
Um documentário, é certo, mas, mais do que isso, uma produção que trata do longo, tortuoso e sofrido processo que enfrentam essas pessoas em busca de um reconhecimento, ao menos, dos culpados. Pois não é sobre mortos em combate. Trata-se de perseguição, execuções sumárias, prisões sem processo etc.
Um documentário, de certa forma. O que se produz é uma história com lances tão mirabolantes quanto os de ficções e que se desenrola ao longo de anos em que os interessados esperam que seu país —a exemplo do que fizeram Argentina e Chile, e não o Brasil— se dê conta de que não existe esquecimento, mas recalque. E que recalques não fazem bem à saúde de pessoas, que dirá de um povo inteiro.
Para resumir: “O Silêncio dos Outros” é uma narrativa bem organizada e muito bem montada em torno de fatos decisivos. Não dá para fechar os olhos.
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