Descrição de chapéu Cinema Oscar 2019

Oscar tem excesso de biografias e sinaliza incapacidade de sonhar

Ficção é minoria entre indicados a melhor filme na cerimônia deste domingo (24)

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O Oscar que neste domingo chega a seu 91º ano não é apenas uma festa de cinema. É uma festa do marketing, das celebridades, do departamento de vendas, da audiência de TV e, até, do cinema.

Uma festa que neste ano está cheia de proposições. Para começar, é mais que palpável a hipótese de um filme distribuído por um serviço de streaming, a Netflix, sair de lá com alguns prêmios, talvez até mesmo os principais.

Não é uma questão menor. A Netflix é uma empresa carregada de dívidas e a quem o prestígio ajudará bastante. "Roma" é o nome do filme. Alfonso Cuarón, seu diretor, já ganhou o prêmio de melhor direção por "Gravidade". Mas desta vez faz um filme em língua espanhola que já levou o Leão de Ouro em Veneza. Se repetir a dose no Oscar, a glória se abre para a Netflix.

Mas, para Hollywood, significará abrir as portas para a nova tecnologia. Quem perderia? O cinema em salas ("Roma" só passou em cinemas protocolarmente). Se ganhar apenas como filme em outra língua que não o inglês, as coisas talvez fiquem boas para os dois lados. Mas Netflix continua um bode na sala hollywoodiana, isto é, quem no fim da história vai comer quem: a nova tecnologia ou os produtores tradicionais?

Bode por bode, digamos que o Oscar não será a festa preferida de Donald Trump. Tradicional reduto liberal, Hollywood mandou uma penca de recados ao presidente americano. Lá estarão Spike Lee ("Infiltrado na Klan") e "Pantera Negra". Bastaria como recado antirracista. Há mais, no entanto —o mexicano "Roma", chegando no exato momento em que o presidente batalha tanto por seu muro.

E "Roma" chega com direito a uma atriz mexicana, descendente de índios, com aquela cara de gente que Trump quer ver longe dos Estados Unidos.

Bem, como Trump também não passa longe da homofobia, que tal um filme como "Green Book", em que não apenas se discute o racismo, como um personagem é gay e, pior, frequenta a Casa Branca de John e Bob Kennedy. Claro, isso não é tudo, pois Freddie Mercury estará por perto com "Bohemian Rhapsody".

Também é um ano fortísismo de biografias. Desde a Antiguidade elas servem não só para ilustrar os leitores como para expor ideias de grandes personagens históricos. Eles deveriam ser para nós um exemplo a seguir —ou não.

Desde o fim do século passado, no entanto, a ficção parece ter perdido um tanto de seu prestígio, como se imaginar equivalesse a se afastar não só do mundo real, mas da verdade. Não deixa de ser estranho que tal movimento se acentue num momento em que a confusão entre verdade e mentira nunca foi tão intensa (quando notícias fictícias se tornam verdades só por serem difundidas).

A indústria do cinema não responde de modo diferente a essa tendência e chega, neste ano, ao seu recorde —38% de todos os filmes indicados ao Oscar têm caráter biográfico, sendo nada menos de 62,5% dos indicados a melhor filme.

Neste ano há outras tendências a notar. Dos filmes biográficos indicados, três têm conotação diretamente política: "Infiltrado na Klan" (racismo), "Vice" (sobre o poder do ex-vice Dick Cheney nos idos dos Bush), "Roma" (no momento em que Trump luta para construir um muro separando o México da atual Roma Imperial).

Já "Green Book" tem por centro a intolerância racial e, ainda, direito a orientação sexual. Orientação sexual, no mais, divide com a música de Freddie Mercury o centro de "Bohemian Rhapsody".

Desconheço se "A Favorita" se funda sobre um fato histórico relativo à rainha Anne da Inglaterra. Sabe-se, porém, de sua saúde frágil, de sua dificuldade de locomoção. De todo modo, o filme entra na tradicional cota britânica do Oscar.

O certo é que tudo aponta para biografias em que a política está implicada, seja pelo lado dos costumes, das relações internacionais, da intolerância, do poder ditatorial, do racismo, da sexualidade. Enfim, por todos os lados. Nisso Hollywood continua a mesma: liberal e anti-Trump.

Também o enjoativo "A Favorita" não deixa de ter lá sua relação com a insânia atual da política britânica (com o brexit no estágio lamentável em que se encontra). Ou, para resumir, de ficção mesmo só "Nasce uma Estrela" (quarta versão) e "Pantera Negra" (ênfase no "negra").

Ainda é quase obrigatório acrescentar um outro elemento: biografias, em filme, livro, teatro, o que for, expressam não uma verdade, mas uma visão sobre determinado personagem. O que muda, do livro ao filme, é que a imagem de cinema arrasta nossa "crença irracional" na verdade do que é visto. Já não é como nos primeiros filmes, em que os espectadores podiam fugir da tela quando o trem filmado pelos irmãos Lumière se aproximava da plateia.

Não se trata de um relato em que os fatos expostos são objeto de reflexão sobre o personagem, sua época, a época presente. A recepção no cinema é, primeiro, afetiva: nos ligamos àquela figura, aos seus gestos, à forma de andar ou de se vestir. A afeição precede o raciocínio e tende a dirigi-lo.

Romances ou filmes históricos podem significar um interesse pelo passado que explique o presente. Biografias de homens ilustres podem responder à nossa aspiração por estadistas de fato num momento de líderes diminutos.

Quando, porém, mais de metade dos indicados a melhor filme são biografias, estamos diante de um fato assombroso —ao menos na opinião de quem decide quais são os filmes de prestígio em Hollywood, estamos num mundo incapaz de sonhar, de produzir utopias ou terrores.

91º Oscar

A partir das 22h. TNT começa transmissão às 21h e Globo, após o BBB. Canal E! inicia às 20h com tapete vermelho. Também na internet para assinantes do TNT Go e grátis no site oscar.go.com


Veja os indicados das principais categorias

MELHOR FILME
"A Favorita"
"Roma"
"Vice"
"Pantera Negra"
"Green Book - O Guia"
"Nasce uma Estrela"
"Infiltrado na Klan"
"Bohemian Rhapsody"

MELHOR DIREÇÃO
Alfonso Cuarón ("Roma")
Spike Lee ("Infiltrado na Klan")
Yorgos Lanthimos ("A Favorita")
Pawel Pawlikowski ("Guerra Fria")
Adam McKay ("Vice")

MELHOR ATOR
Bradley Cooper ("Nasce uma Estrela")
Rami Malek ("Bohemian Rhapsody")
Christian Bale ("Vice")
Willem Dafoe ("No Portal da Eternidade")
Viggo Mortensen ("Green Book - O Guia")

MELHOR ATRIZ
Olivia Colman ("A Favorita")
Lady Gaga ("Nasce uma Estrela")
Glenn Close ("A Esposa")
Melissa McCarthy ("Poderia Me Perdoar?")
Yalitza Aparicio ("Roma")

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Richard E. Grant ("Poderia Me Perdoar?")
Mahershala Ali ("Green Book - O Guia")
Adam Driver ("Infiltrado na Klan")
Sam Elliott ("Nasce uma Estrela")
Sam Rockwell ("Vice")

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Regina King ("Se a Rua Beale Falasse")
Marina de Tavira ("Roma")
Amy Adams ("Vice")
Emma Stone ("A Favorita")
Rachel Weisz ("A Favorita")

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
"Green Book - O Guia"
"Roma"
"No Coração das Trevas"
"A Favorita"
"Vice"

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
"Infiltrado na Klan"
"A Balada de Buster Scruggs"
"Se a Rua Beale Falasse"
"Nasce uma Estrela"
"Poderia Me Perdoar?"

MELHOR ANIMAÇÃO
"Homem-Aranha no Aranhaverso"
"Os Incríveis 2"
"WiFi Ralph"
"Ilha de Cachorros"
"Mirai"

MELHOR FILME ESTRANGEIRO
"Roma" (México)
"Guerra Fria" (Polônia)
"Assunto de Família" (Japão)
"Cafarnaum" (Líbano)
"Nunca Deixe de Lembrar" (Alemanha)

MELHOR DOCUMENTÁRIO
"RBG"
"Minding the Gap"
"Hale County this Morning, the Evening"
"Of Fathers and Sons"
"Free Solo"

MELHOR DIREÇÃO DE ARTE
"O Retorno de Mary Poppins"
"A Favorita"
"O Primeiro Homem"
"Roma"
"Pantera Negra"

MELHOR FOTOGRAFIA
"Roma"
"Nasce uma Estrela"
"A Favorita"
"Guerra Fria"
"Nunca Deixe de Lembrar"

MELHOR FIGURINO
"A Favorita"
"A Balada de Buster Scruggs"
"Duas Rainhas"
"O Retorno de Mary Poppins"
"Pantera Negra"

MELHOR MAQUIAGEM
"Vice"
"Border"
"Duas Rainhas"

MELHOR EDIÇÃO
"A Favorita"
"Infiltrado na Klan"
"Bohemian Rhapsody"
"Green Book - O Guia"
"Vice"

MELHOR TRILHA SONORA
"Se a Rua Beale Falasse"
"Ilha de Cachorros"
"Pantera Negra"
"O Retorno de Mary Poppins"
"Infiltrado na Klan"

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
“Shallow” ("Nasce uma Estrela")
“All the Stars” ("Pantera Negra")
“I’ll Fight” ("RBG")
“The Place Where Los Things Go” ("O Retorno de Mary Poppins")
“When a Cowboy Trades His Spurs for Wings” ("A Balada de Buster Scruggs")

MELHORES EFEITOS VISUAIS
"Vingadores: Guerra Infinita"
"Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível"
"Jogador nº 1"
"O Primeiro Homem"
"Han Solo: Uma HIstória Star Wars"

MELHOR EDIÇÃO DE SOM
"O Primeiro Homem"
"Pantera Negra"
"Roma"
"Um Lugar Silencioso"
"Bohemian Rhapsody"

MELHOR MIXAGEM DE SOM
"O Primeiro Homem"
"Roma"
"Nasce uma Estrela"
"Bohemian Rhapsody"
"Pantera Negra"

MELHOR CURTA-METRAGEM
"Marguerite"
"Fauve"
"Mother"
"Skin"
"Detainment"

MELHOR CURTA-METRAGEM - ANIMAÇÃO
"Bao"
"Animal Behavior"
"Late Afternoon"
"Weekends"
"One Small Step"

MELHOR CURTA-METRAGEM - DOCUMENTÁRIO
"End Game"
"Lifeboat"
"A Night at the Garden"
"Period. End of Sentence"
"Black Sheep"

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