Um dos maiores nomes da história do cinema, a diretora nonagenária Agnès Varda escolheu se despedir do público com a imagem de uma névoa que cresce até virar um borrão branco e ocupar toda a tela.
O trecho, poético e melancólico como toda a sua obra, encerra “Varda par Agnès”, que ela afirma será seu filme derradeiro.
“Preciso me preparar para dizer adeus e achar a paz necessária para isso”, disse ela em conversa com a imprensa na capital alemã, durante o Festival de Berlim.
Ao ser ovacionada, a cineasta nascida na Bélgica enterrou o rosto nas mãos e deixou à mostra o característico cocuruto grisalho, cercado de madeixas ruivas. “Não sou lenda, gente, ainda estou viva.”
“Varda par Agnès” é estruturado como se fosse uma aula sobre cinema e permite compreender o percurso artístico da diretora e fotógrafa. Diante de plateias diversas, ela discute o seu processo criativo e cita bastidores de filmes que marcaram sua carreira de 64 anos.
Sobre “Cleo das 5 às 7”, uma de suas obras mais famosas, fala de como quis brincar com as diferentes dimensões do tempo objetivo (do relógio) e do tempo subjetivo (da angústia que sua protagonista enfrenta diante da possibilidade da morte). Destrincha o processo de “Jacquot de Nantes”, homenagem póstuma ao marido, o também cineasta Jacques Demy, vitimado pela Aids.
Os dramas “Os Renegados”, com o qual ganhou o Leão de Ouro, e “Uma Canta, a Outra Não” surgem como decorrência de uma luta feminista que vinha de décadas atrás.
“Black Panthers” e “Lions Love” mostram seu envolvimento com a contracultura americana. Ainda há menções aos elogiados “As Duas Faces da Felicidade” e “As Praias de Agnès” e comentários sarcásticos sobre fracassos como “As Cento e uma Noites”.
“Nos últimos anos falei muito de mim e dos meus filmes, então queria uma obra que fosse uma grande conversa”, disse. “Mas sou fascinada mesmo é pelas pessoas que vejo por aí, nas ruas.”
Esse fascínio é mostrado no filme quando Varda fala da virada do século e de como a revolução tecnológica influenciou seu trabalho. Ela diz que ficou mais fácil se aproximar de outros tipos de pessoas, como os mais pobres, que ficavam mais à vontade diante de câmeras menores. Vêm daí obras humanistas como “Os Catadores e Eu”, que enfoca agricultores e gente que sobrevive catando restos de comida em Paris.
“Sempre estive à esquerda no espectro político, mas nunca numa esquerda oficial, de partido”, diz. “Não faço política nos meus filmes, mas o espírito deles é solidário, de estar do lado das mulheres e dos trabalhadores.”
Aos jornalistas, ela falou ainda do que a move a filmar, mesmo com 90 anos. No ano passado, graças a “Visages, Villages”, ela foi a pessoa mais velha indicada ao Oscar.
“Se você é curioso, você sempre tem algo a dizer. Sempre luto contra a estupidez, inclusive a minha própria.”
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.