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Artes Cênicas

'A Repetição' retrata, por acidente, banalização do mal no Brasil

Espetáculo que abriu a MITsp faz mais duas apresentações, na sexta (15) e no sábado (16)

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A Repetição

  • Quando Sexta (15) e sábado (16), às 21h
  • Onde Auditório Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, portão 2
  • Preço R$ 30
  • Classificação 16 anos

O que mais marcou na apresentação de "A Repetição" na quinta (14), abrindo a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, é que o público, ainda sob o impacto do massacre na escola de Suzano, se viu diante de situação muito semelhante.

Um jovem de minoria é morto brutalmente por outros jovens, num exemplo extremo de "banalização do mal", título de uma das cenas do espetáculo e que poderia ser usado para descrever o ataque na Grande São Paulo.

"A Repetição" é uma tentativa de abordar racional e quase cientificamente um assassinato que aconteceu de fato, na Bélgica, e chega a lembrar uma reconstituição de crime, procedimento policial que remete ao próprio teatro.

Ihsane Jarfi, o jovem morto, era homossexual, de família árabe do Norte da África e vivia numa cidade, Liège, em fase de degradação econômica, com muitos desempregados, como enfatizado na peça.

Ecoando o teatro-documentário do alemão Piscator até no apelo ao cinema ou, no caso, vídeo, o diretor suíço Milo Rau segue pistas tiradas diretamente do processo —como a aparente defesa de uma jovem por Jarfi, contra o assédio dos assassinos, ou uma frase atribuída a ele e que os teria provocado.

O crime, a investigação e o julgamento receberam cobertura extensa na Bélgica, em 2012, e "A Repetição" é por assim dizer uma quarta ou quinta versão da mesma história.

Buscando ainda maior transparência em sua versão, Rau ocupa todo o início da encenação apresentando os atores do elenco, com seus próprios nomes, com os testes que teriam feito, mas como personagens eles também e parte daquela realidade, inclusive com visitas aos assassinos na prisão.

O efeito é de um barroco metalinguístico por vezes revelador, mas noutras redudante e ocioso. Pode-se distinguir um arco narrativo na apresentação, o que nem sempre acontece em espetáculos "pós-dramáticos" contemporâneos, mas o ritmo é rarefeito, como se se quisesse sedar a emoção a todo custo. 

Quando chega afinal a cena do crime, a seqüência de tortura e violência é também distanciada, "brechtiana", mas ao mesmo tempo realista ao detalhe dos intermináveis chutes no peito que teriam causado as 17 fraturas nas costelas de Jarfi.

A imagem final do corpo do ator Tom Adjibi no chão, ele que havia sido tão engraçado nas primeiras cenas no papel de si mesmo, é aquela que depois mais vai acompanhar o espectador: minutos sem fim, abandonado ainda vivo, morrendo pouco a pouco.

A política brasileira surge aqui e ali no espetáculo, inclusive num momento cômico em que Adjibi cita Jair Bolsonaro do nada, e o ex-jornalista Milo Rau já manifestou publicamente sua incompreensão com o retrocesso autoritário no país.

Mas é na remissão aparentemente acidental ao massacre de Suzano, sem precisar citar coisa nenhuma, que surge no palco o retrato mais preciso do fascismo em ascensão no Brasil.

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