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Cinemas de rua vendem 1,1 milhão de ingressos em SP e são ameaçados de cortes

Sete complexos da cidade faturam cerca de R$ 18 milhões ao ano

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Movimentação no Cine Belas Artes, um dos principais cinemas de rua da cidade e que corre o risco de fechar
Movimentação no Cine Belas Artes, um dos principais cinemas de rua da cidade e que corre o risco de fechar - Adriano Vizoni/Folhapress
 
São Paulo

É tarde chuvosa de uma quinta-feira pré-Carnaval, e não mais do que dez pessoas perambulam pelo foyer do Belas Artes, tradicional cinema de rua paulistano que corre o risco de fechar caso não ache um novo patrocinador. Com a saída da Caixa Econômica Federal, o logotipo da instituição financeira deixou a fachada e até o preço da pipoca sofreu mudanças.

“Ah, que pena”, lamenta uma frequentadora quando ouve da atendente da bombonière que a promoção da iguaria de milho, outrora vigente para quem fosse cliente daquele banco, não está mais valendo. 

O fechamento de um cinema de rua é o tipo de assunto que move debates apaixonados e opõe visões muito específicas sobre acesso à cultura e sobre urbanismo. Alguns números ajudam a colocar essa questão em perspectiva.

A média anual de arrecadação desses complexos na cidade é da ordem dos R$ 18,3 milhões. É a soma do que os sete estabelecimentos do tipo (Belas Artes, Espaço Itaú Augusta, Marabá, Cinesesc, Cinearte, Cinesala e Reserva Cultural) vendem, por ano, apenas com os ingressos dos filmes. 

Os dados, obtidos a partir do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, da Ancine, não computam a renda total desses espaços, isto é, o que se fatura com café, comida, venda de DVDs, camisetas e outros produtos. 

A arrecadação equivale a cerca de 1,1 milhão de ingressos vendidos por ano. Os números se mantêm estáveis ao longo do último triênio. Só existem dados discriminados por cinema a partir de 2016.

O Belas Artes, celeuma da vez, é dos grandes puxadores. Em 2018, vendeu 262 mil tíquetes, um pouco acima do Espaço Itaú Augusta (256 mil) e do Reserva Cultural (217 mil), e um quarto a menos do que um cinema de shopping com o mesmo número de salas, como o que o Cinemark tem no Pátio Higienópolis (352 mil), voltado para as classes A e B.

A comparação é pertinente. Os cinemas de shopping são vistos como os principais algozes dos seus congêneres de rua. Num país violento e com limitados espaços públicos nas cidades, eles se tornaram sinônimo de lazer brasileiro.

A rede Cinépolis, por exemplo, mantém oito salas no Shopping Metrô Itaquera, direcionado à classe C. Ali, vendeu um total de 795 mil ingressos no ano passado, ou cerca de 72% de tudo o que os cinemas de rua venderam juntos.

Se dividido o número de tíquetes pelo de poltronas em cada um dos complexos, chega-se a uma taxa que é mais favorável ao Cinemark Pátio Higienópolis (385, diante de seus 913 assentos), depois ao Cinépolis Itaquera (342, devido aos seus 2.320 lugares) e, por fim, ao Belas Artes (254, ante as suas 1.032 cadeiras).

Administrador na Cinesala, no Cinearte e no Espaço Itaú Augusta, Adhemar Oliveira diz que há uma equação que favorece a existência dessas salas de projeção nos shoppings. 

“Não é benesse nenhuma. Como os cinemas atraem gente, eles são considerados lojas-âncora e recebem um apoio embutido no aluguel”, afirma o exibidor, que também mantém salas em shoppings como o Frei Caneca e o Bourbon Pompeia, em São Paulo.

Quando muda o tipo de espaço, muda também o tipo de programação. Para fazer frente à concorrência, as últimas décadas presenciaram um esforço por parte dos cinemas de rua de se especializar em filmes mais autorais e experimentais ante à presença maciça dos blockbusters hollywoodianos e nacionais nos shoppings centers. 

Vale dizer que, salvo o Marabá (no centro) e o Cinesala (em Pinheiros), todos os demais espaços de rua paulistanos estão enfileirados num raio de menos de dois quilômetros, numa espécie de corredor cultural na região da avenida Paulista e adjacências.

No Conjunto Nacional, o Cinearte é outro que, como o Belas Artes, se encontra em situação delicada. Assim como a Caixa Econômica, a Petrobras, que patrocinava a operação das duas salas de cinema dali, decidiu rever seus investimentos e cortar o apoio.

A retração da estatal faz parte de uma diretriz do governo Bolsonaro, que está reorientando a política de patrocínio à cultura por meio das empresas públicas. Eventos como a Mostra de Cinema de São Paulo, o Festival do Rio e companhias como o Grupo Corpo e o Grupo Galpão podem vir a ser afetados por esses cortes.

Dono do Cinearte, Adhemar Oliveira foi surpreendido quando tentava renovar o contrato. Agora, diz que corre para achar algum novo patrocinador para o lugar, que já teve os nomes de Cine Bombril e de Cine Livraria Cultura.

André Sturm, do Belas Artes, conta que também está em negociações com interessados, que prefere não mencionar.

Os naming rights, isto é, a concessão do direito de a empresa embutir seu nome ao complexo de cinema em troca do investimento, são uma das contrapartidas mais frequentes encontradas no setor. 

O retorno à patrocinadora chega a ser cinco vezes maior, nos cálculos de Oliveira, que se refere à centimetragem da exposição da marca —ou o quanto ela é citada espontaneamente em matérias jornalísticas e o quanto isso representa de poupança de investimento em anúncios pagos.

O exibidor trabalha com esse tipo de concessão desde que o atual Espaço Itaú Augusta, então Espaço Banco Nacional, abriu as suas portas em 1993, no então degradado trecho da rua que liga a região da Paulista ao centro.

“Era um deserto”, lembra. “Às 18h, as prostitutas estavam na porta. Aos poucos foram descendo os quarteirões.” 

O complexo foi um dos marcos para mudar o perfil do hoje chamado Baixo Augusta, a partir da década seguinte, e torná-lo uma das principais artérias da vida noturna na cidade. “E a prefeitura não precisou gastar nada. Os cinemas de rua têm uma importância urbanística”, afirma Oliveira. 

Em São Paulo, ao contrário do que acontece em outras cidades brasileiras, uma lei municipal exime esses espaços  de recolher o ISS (Imposto sobre Serviços). Ainda assim, são obrigados a pagar IPTU, por exemplo.

O patrocínio por via dos  chamados naming rights ajuda a custear os aluguéis desses complexos, tidos como um dos principais encargos dessa atividade. 

Donos dos cinemas são resistentes em informar o quanto dispensem com esse tipo de gasto, temem a especulação imobiliária. No Belas Artes, sabe-se que esse valor beira os R$ 2 milhões ao ano, que era mais ou menos o quanto a Caixa Econômica bancava das operações naquele local.

Dentre os cinemas de rua paulistanos, o Cinesesc é o único dos sete que não paga aluguel, já que tem um imóvel próprio, na rua Augusta. Vale acrescentar, ainda, que por fazer parte da estrutura do Sesc e ser bancado com recursos das empresas de comercio, bens e serviços e turismo, sua situação é mais confortável. 

Isso, se a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, não vir a acabar com a obrigatoriedade de pagamento ao Sistema S pelas empresas, como já foi aventado pelo governo.

De toda a forma, apostar apenas no sucesso dos filmes para arcar com os custos de um cinema é um “cassino”, segundo Oliveira, que toca o Espaço Itaú Augusta e o Cinearte.

“É uma atividade de risco. Por mais que a produção tenha os melhores atores e melhores diretores, o resultado nunca é automático, ainda mais com filmes que não sejam comerciais.” 

Quanto menos as salas, maior o risco. No Cinearte, que só tem duas, a “possibilidade de errar beira os 100%”, afirma o exibidor. “Programar acaba virando puro exercício de feeling.”

Oliveira é ainda um dos quatro sócios da Cinesala, espaço de uma tela única no bairro de Pinheiros, que não conta com patrocínio, mas que foi beneficiada com o fechamento da avenida Paulista, aos domingos. Ele explica que o alto movimento de pedestres na região afugentou frequentadores das salas daquela região e tornou o local da zona oeste mais atrativo.

Ter um patrocínio “seria bem-vindo”, diz Laure Bacqué, francesa radicada no Brasil, que dirige o Reserva Cultural, espaço com quatro salas fincado na avenida Paulista. “As contas estão em dia, mas está justo.”

Ela estima que ao menos 60% do faturamento sejam provenientes da venda dos ingressos. Em 2017, último ano em que há informações sobre esse tipo de receita, a venda de ingressos somou R$ 4,6 milhões —mais do que Espaço Itaú Augusta (R$ 4,5 milhões) e Cine Belas Artes (R$ 4,1 milhões).

Mas o Reserva Cultural fez apostas maiores. Criou um bistrô ali dentro, condizente com a francofonia do lugar, além do café e da pequena livraria, atrativos que também dão as caras nos espaços congêneres. 

“Numa cidade com o trânsito de São Paulo, ir ao cinema tem que ser um programa maior”, diz Bacqué.
Para driblar a ociosidade das suas salas no período matutino, esses espaços também alugam as 
salas para eventos corporativos, cursos e palestras. 

“A gente tem que ficar inventando toda hora uma coisa nova”, afirma Oliveira. 

 

RAIO-X DOS CINEMAS DE RUA EM SÃO PAULO

Cine Belas Artes
Nº de salas:  6
Ingressos vendidos em 2018:  262 mil
Faturamento médio anual:*  R$ 3,8 milhões
Situação: Perdeu o patrocínio da Caixa Econômica Federal e corre o risco de fechar

Espaço Itaú Augusta
Nº de salas:  5
Ingressos vendidos em 2018:  256 mil
Faturamento médio anual: R$ 4 milhões
Situação: Estável; tem patrocínio do Itaú

Cine Marabá
Nº de salas: 5
Ingressos vendidos em 2018: Sem dados (239 mil em 2017)
Faturamento médio anual: R$ 3,55 milhões
Situação estável; não conta com patrocínio

Cinesesc
Nº de salas  1
Ingressos vendidos em 2018:  Sem dados (21 mil em 2017)
Faturamento médio anual: R$ 206 mil
Situação: Estável; tem o apoio da estrutura do Sesc

Cinesala
Nº de salas: 1
Ingressos vendidos em 2018: 49 mil
Faturamento médio anual: R$ 1,15 milhão
Situação: Estável; não tem patrocínio

Cinearte
Nº de salas:  2
Ingressos vendidos em 2018: 59 mil
Faturamento médio anual: R$ 1 milhão
Situação: Perdeu patrocínio da Petrobras e está ameaçado

Computa apenas espaços em que a atividade principal é o cinema, portanto exclui salas de centros culturais como o IMS, o CCBB, o CCSP, o Cinusp, a Matilha Cultural e o Lasar Segall 

*Média da renda obtida apenas com venda de ingressos entre 2016 e 2017 (não há dados para 2018)

Fonte: Ancine

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