Autores debatem como prever o futuro para melhorar a sociedade

Discussão sobre a ação da tecnologia na percepção do tempo pautou Festival Interativo SXSW

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Cory Doctorow em debate no Phoenix Comic Fest, nos Estados Unidos. - Gage Skidmore/Flickr
Jason Stanford
Austin (Texas)

Cory Doctorow tem uma má notícia para dar às pessoas que vão ao South by Southwest todo ano para tentar decifrar o que o futuro encerra. “Quem faz profecias é vigarista”, disse o escritor de ficção científica. “Ninguém conhece o futuro.”

Isso não quer dizer que Austin não tenha estado cheia de futuristas oferecendo conselhos aparentemente muito razoáveis que desmentiram o célebre aforismo de Jim Dator, “qualquer afirmação útil sobre o futuro deve primeiramente parecer ridícula”.

No decorrer do Festival Interativo SXSW uma divisão filosófica se delineou entre os que recomendam que tentemos decifrar o futuro à medida que formos avançando e aqueles para quem, se não consertarmos os problemas de hoje, a tecnologia vai apenas ampliar e aprofundar esses problemas no futuro.

Do lado otimista dessa discussão está Katie Joseff, gerente de pesquisas do Laboratório de Inteligência Digital do Instituto para o Futuro, que discursou num encontro de prefeitos no SXSW.

Ela recomendou a adoção de um sistema de ferramentas e checklists para que as cidades possam ser preparadas para enfrentar problemas do futuro.

“É especialmente importante ter consciência desses quadros de referência ética, porque é possível fazer uma diferença imediata nas estruturas regulatórias para proteger bens públicos realmente importantes como verdade, privacidade, democracia e o bem-estar humano”, disse Joseff.

Já Doctorow duvida muito que checklists possam prometer um futuro melhor. “Ninguém é capaz de construir um mapa do caminho daqui para uma cidade inteligente e habitável no futuro”, ele disse aos prefeitos reunidos. “Isso não existe. Não há como conhecer o futuro.”

Um exemplo citado independentemente pelos dois palestrantes foi o reconhecimento facial, que no passado já produziu resultados racialmente fraudulentos, como foi feito em 2015, quando o Google Photos identificou pessoas negras erroneamente como gorilas.

Esses e outros incidentes levaram a deputada americana Alexandria Ocasio-Cortez a tachar de racistas os algoritmos que produziram esses resultados e a liderar chamados por reformas.

Joseff parece ter tomado partido a favor da opinião pública que quer “que empresas que hoje estão tomando decisões com base no reconhecimento facial sejam transparentes com seus usuários em relação a com estão tomando essas decisões”.

Do outro lado da discussão temos Doctorow, que disse: “Não há dúvida que existem algoritmos que produzem modelos que embutem e dilatam o viés racial, mas às vezes a resposta não é fazer o algoritmo ser menos racista –é simplesmente não usar esse algoritmo”.

A futurista quantitativa Amy Webb, autora de “The Big Nine”, se posicionou do lado determinista do metadebate do fim de semana passado, discordando de Doctorow e defendendo a visão de que as coisas podem não ser perfeitas hoje, mas podem ser melhoradas ao longo do tempo.

“Como um ótimo casamento, ótimos futuros exigem muito trabalho. Futuros maravilhosos, surpreendentes, felizes são frutos de trabalho muito árduo”, ela opinou.

Ou, nas palavras do destacado designer de carros Gordon Wagenwe, “o futuro ainda não foi escrito. Só podemos desenhá-lo.”

Uma pessoa que está desenhando coisas é um estudante de 16 anos de Austin que levou para casa o Prêmio Inovação Estudantil do SXSW por desenhar algo que talvez comprove o imperativo de Doctorow de que precisamos acertar os elementos básicos antes que a tecnologia saia de nosso controle.

Ele desenhou uma interface cérebro-computador de grafeno. As aplicações futuras de sua ideia podem incluir gaming imersivo e ajudar deficientes físicos a recuperar o controle de seu corpo por meio de próteses computadorizadas.

Ser capaz de controlar aparelhos com ondas cerebrais por meio de uma interface que cabe debaixo de um boné oferece mais um exemplo de uma pergunta fundamental sobre nosso futuro: a internet é uma ferramenta ou é uma oficina inteira de ferramentas?

É a natureza onipresente da internet que leva Doctorow a combater a abordagem ao futuro no estilo “vamos encontrando soluções à medida que elas forem necessárias”.

“A internet não é uma espécie de serviço de vídeo a pedido elevado ao cubo”, ele explicou. “É o sistema nervoso do século 21, a coisa que combina tudo o que fazemos. Tudo o que fazemos hoje envolve a internet, e tudo que fizermos amanhã vai exigir a internet também, de modo que acertar a política em relação à internet talvez seja a coisa mais importante que você possa fazer por sua cidade", diz.

"Não porque a política tecnológica seja a coisa mais importante do mundo –temos questões muito mais importantes a encarar, mudança climática, desigualdade de gênero, discriminação racial e assim por diante—, mas cada uma dessas batalhas vai ser ganha ou perdida em plataformas de comunicação de redes. Se perdermos essas plataformas, perderemos essas batalhas antes mesmo de serem travadas.”

Tradução de Clara Allain

Jason Stanford é vice-presidente de Comunicações Globais da Hill+Knowlton Strategie

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