Durante quatro dias de dezembro de 2017, sentada em um banco ao ar livre, Rosiska Darcy de Oliveira falou de si mesma para as câmeras. Habituada a discursar em público e a dar entrevistas na televisão, a escritora logo reparou que a empreitada não era tão fácil quanto parecia.
“Precisei adaptar o ritmo da minha fala às necessidades do cinema”, contou ela em entrevista à Folha, por telefone. “Além do mais, nunca é fácil rever a própria vida. Foi um processo profundo e emocionante”.
Este longo depoimento é a espinha dorsal do documentário “Elogio da Liberdade”, o primeiro trabalho como diretora da atriz Bianca Comparato (a Michele da série “3%”, da Netflix), que o canal Max, ligado à HBO, exibe às 21h deste domingo (31).
“Rosiska é amiga de longa data da minha mãe”, disse Bianca —a atriz e diretora é filha da fonoaudióloga Leila Mendes com o roteirista Doc Comparato. “No entanto, faz só uns cinco anos que eu me dei conta da importância dela. Daí surgiu a vontade de fazer este filme.”
Eleita para a Academia Brasileira de Letras em 2013, a escritora, jornalista e advogada Rosiska Darcy de Oliveira, 75, é uma das pioneiras do feminismo no Brasil e tem 15 livros publicados. Um deles, a coletânea de ensaios “Elogio da Diferença”, serviu de inspiração para o título do documentário.
A produção cobre toda a trajetória de Rosiska, da infância privilegiada na classe alta do Rio de Janeiro até os dias de hoje. “A partir do momento em que comecei a estudar, percebi que teria que batalhar por mais espaço”, afirmou ela na entrevista.
Casada há 52 anos com o diplomata Miguel Darcy de Oliveira, Rosiska decidiu ainda jovem que não queria ter filhos. O casal passou uma década vivendo em Genebra, na Suíça, para escapar da perseguição da ditadura militar brasileira. Depois, já de volta ao país, a escritora foi trabalhar com o educador Paulo Freire, no Brasil e na Guiné-Bissau.
Só essas credenciais já lhe garantiriam o rótulo de “esquerdopata” na ala direita das redes sociais. Mas Rosiska vai além: é feminista de raiz e fundadora de ONGs que lutam pelos direitos das mulheres, além de autora de uma vasta literatura sobre o assunto.
“Acho que é muito oportuno o filme estar sendo lançado neste momento”, continua Rosiska. “Tudo o que está acontecendo no Brasil e no mundo é uma reação ao avanço das mulheres. É o resultado do medo que os homens têm do feminismo. Nunca fomos alvo de tantas infâmias como agora”.
O processo de montagem de “Elogio da Liberdade” durou cerca de um ano. As falas de Rosiska foram intercaladas com imagens de seu arquivo pessoal e de telejornais antigos.
Mas algumas cenas não estavam previstas no roteiro original: é o caso das manifestações das campanhas #EleNão, contra Jair Bolsonaro, ou pelo aborto legalizado, na Argentina. Também foi incluído um trecho de um discurso da ex-vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018.
O resultado é didático sem ser chato e bastante fluido: o espectador sai com a sensação de que conversou com ela durante uma hora e meia. Sem maiores arroubos, Bianca Comparato demonstra segurança em sua estreia como cineasta, apoiada pelo carisma da biografada.
“O feminismo foi o movimento mais importante do século 20 e, apesar de tudo, segue firme”, concluiu Rosiska. “Nunca se deve perder a esperança, nem a capacidade de resistência”.
Elogio da Liberdade
Neste domingo (31), no canal Max, às 21h; reprise em 25/4, às 23h, e em 27/4, às 11h05.
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