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Em 'Mágica de Verdade', a substância do absurdo vence qualquer enfrentamento formal

Peça de grupo inglês reverbera temas caros de nossa época como a chamada pós-verdade

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MÁGICA DE VERDADE

  • Quando Ter. (19), qua. (20) e qui. (21), às 20h
  • Onde Teatro Sesi-SP - Av. Paulista, 1.313, Cerqueira César
  • Preço Grátis
  • Classificação 16 anos

Em uma rápida primeira impressão, “Mágica de Verdade” se parece, em seus momentos iniciais, com quadros de programas de televisão já vistos por aqui. A impossível construção de um raciocínio lógico para “vencer” o desafio pode remeter ao “Foguete”, clássica brincadeira de Silvio Santos em que uma criança gritava “sim” ou “não” para propostas de troca entre prêmios desconhecidos por ela.

O que começa a se apontar como uma crítica ao absurdo que é o entretenimento em nossos dias –é fácil também pensar nos bizarros vídeos de game-shows japoneses viralizados em nossas redes sociais– passa a ganhar outras dimensões na encenação de Tim Etchells.

A estrutura do espetáculo é, de certo modo, rapidamente apreendida pelo espectador —o que não impede que a obra se mantenha intrigante. Trata-se da mesma situação reproduzida incessantemente. Porém, o uso da repetição parece não buscar meramente o esvaziamento.

“Mágica de Verdade” atinge uma radicalidade que beira o inacreditável. Há variação, sem dúvidas, mas ela só atinge a superfície do que é apresentado. A substância do absurdo enquanto único conteúdo da ação, ainda que esta seja intensificada ao longo do espetáculo, permanece inalterável —ou, até mesmo, inatingível.

Cena do espetáculo 'Mágica de Verdade', do grupo inglês Forced Entertainment
Cena do espetáculo 'Mágica de Verdade', do grupo inglês Forced Entertainment - Divulgação

Ao deslizar em círculo —ou em vertiginoso vórtex— por diversas intenções, ritmos e sutis referências, o que parece central no discurso da encenação é exatamente essa impossibilidade, este não-enfrentamento da raiz das questões que emergem enquanto estruturantes— e problemáticas, quando não de fato absurdas— em nossa sociedade atual.

A obra reverbera, neste sentido, temas caros ao contemporâneo, como a interpretação totalmente subjetiva de fatos que ignora a concretude deles —a chamada pós-verdade— assim como a enxurrada de fake news talvez decorrentes disso. O contexto brasileiro ecoa forte nesse sentido.

Basta se lembrar do enfrentamento necessário às notícias como da existência de uma “mamadeira de piroca”. O óbvio é cada dia menos óbvio —e, no processo de “memetização” tão visto nas redes sociais, debater sobre o cerne dos problemas se torna cada vez tarefa mais distante.

Não há valor algum em ganhar um jogo surreal como o apresentado. Os três intérpretes— ora desesperados para que ele acabe, tentando até fazer com que o outro burle regras; ora se divertindo dentro daquela brincadeira —habilmente conduzem o espectador pelos múltiplos desenhos propostos, mantendo-o engajado e incrédulo, ansiando por uma resolução.

No entanto, o que a obra sugere é de que é, de fato, impossível esgotar um conteúdo pela mera variação de formas. Muda-se o tom, mudam os papéis desempenhados por cada um; a narrativa, no entanto, permanece.

Aos poucos, a encenação passa a prescindir das risadas pré-gravadas. O público ri, sim, da fértil comicidade amparada por ótimo timing do elenco; mas também parece haver um dado de desconforto. No final, o humor já beira a melancolia. A “Mágica de Verdade”, aqui, não seria vencer o jogo, mas sim, implodi-lo.

 
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