Filial brasileira de grupo de extrema esquerda francês lança livro em maio

Ligada ao Comitê Invisível, a Centelha prevê a publicação de obra que contesta o sistema capitalista

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São Paulo

Às 11h do último dia 8 de dezembro, quarto sábado das manifestações dos coletes amarelos, os gilets jaunes, o carro de Julien Coupat foi cercado por agentes da inteligência interna francesa num subúrbio de Paris.

Acharam um colete amarelo, tubos de tinta spray e uma máscara de construção —e o prenderam por “participação em grupo formado para cometer depredação ou violência”. Foi solto no dia seguinte, sem processo.

Coupat é sociólogo de formação, mas ficou conhecido como ativista de extrema esquerda e como o nome que a polícia francesa associou ao chamado Comitê Invisível. Este surgiu em 2007, com a publicação do livro-manifesto “A Insurreição que Vem”.

Coupat e o editor francês negam que tenha escrito essa e as obras seguintes. Mas o diagnóstico do grupo de acadêmicos-ativistas anônimos de que os acordos da democracia liberal entraram em colapso, abrindo caminho para uma dinâmica de extremos, se espalhou, chegando à Fox News, nos Estados Unidos, e ao Brasil.

 

Protestos como aqueles de junho de 2013, que iniciaram a derrocada dos governos brasileiros de centro-esquerda, juntando posições extremadas à esquerda e à direita, pareceram confirmar o que ele anunciava.

Já saíram dois outros livros do Comitê Invisível no Brasil, “Aos Nossos Amigos - Crise e Insurreição” (2016) e “Motim e Destituição Agora” (2017), e no mês que vem será publicado “Contribuição para a Guerra em Curso”.

Este foi escrito quando o grupo ainda nem havia adotado o nome, mas assinava com outro, também coletivo, Partido Imaginário. A editora brasileira é sempre a mesma, n-1, que tem como coeditor Peter Pál Pelbart, filósofo húngaro formado pela Universidade Paris 4 (Sorbonne) e hoje professor na PUC-SP.

“Vira e mexe sou questionado sobre se faço parte do Comitê Invisível”, escreve ele, em resposta por escrito. “Na verdade, trata-se aqui de dar voz ao que a literatura oficial ou a instituição acadêmica ou os mecanismos partidários não suportam: uma outra modalidade de mobilização/dispersão, clandestinidade/irrupção, violência do estado/contraviolência de resistência.”

Já nesse primeiro texto, “Contribuição para a Guerra em Curso”, publicado originalmente na revista Tiqqun, o grupo buscava “ler o contexto contemporâneo como uma guerra civil”, diz Pelbart, acrescentando: “Como não perceber a atualidade dessas ideias e análises no Brasil de hoje? Há exemplo mais gritante do que o nosso de uma guerra civil declarada e tamponada a um só tempo, do uso ilimitado da violência institucional ou jurídica sob o manto da democracia?”.

Paralelamente, uma versão brasileira do Comitê Invisível, também anônima, começa a se organizar, a Centelha. Um primeiro manifesto está em preparação.

Falando por email, o grupo conta que escolheu o nome porque suas ações “são mais uma entre as muitas de contestação da ordem capitalista no país, neste momento de colapso de toda forma de governo possível”.

Sobre os protestos de 2013, diz que “foi uma centelha e tudo o que se seguiu foi esforço inútil de extingui-la”.  Que “o Estado, vendo o savoir-faire petista de amansar conflitos falhar, acordou para a dimensão da crise social que se avizinha e disparou o alerta vermelho da contrarrevolução”.

Acrescenta que o presidente Jair Bolsonaro, “solução dada pelo Partido Empresarial-Militar, não é uma alternativa ao sistema, mas uma alternativa do sistema”, e que a esquerda “virará o jogo se superar seu passado conciliador”.

O livro da Centelha, ainda sem título, também deverá sair pela n-1. A editora vem se tornando referência de radicalidade não só política mas estética, com catálogo que vai do filósofo francês Michel Foucault ao italiano Antonio Negri e ao dramaturgo alemão Heiner Müller.

Graficamente, a editora projeta suas publicações como “livros-objetos”, combinando métodos industriais e artesanais, segundo o coeditor Ricardo Fernandes. “É o caso de ‘Aos Nossos Amigos’, cuja capa tem um canto queimado de verdade, um a um, com maçarico, como se saísse de um combate incendiário.”

O diretor teatral Márcio Abreu, cocurador do festival de Curitiba, explica por que o evento adotou para a edição deste ano o bordão “A Insurreição que Vem”: “O recorte transversal que a n-1 tem feito traz à tona um pensamento das transformações hoje em todos os seus aspectos. E a ação do Comitê Invisível é de escrita performática, que tensiona o debate sobre os movimentos de ponta, contraditórios, de transformação do mundo”.

Em 2018, a n-1 lançou títulos como “UPP - A Redução da Favela a Três Letras”, de Marielle Franco, vereadora assassinada há um ano no Rio de Janeiro, e “Crítica da Razão Negra”, do filósofo camaronês Achille Mbembe.

Para 2019, estão programadas, entre outras, as obras “O Enigma da Revolta”, de Foucault, sobre a Revolução Iraniana, “Corpos que Importam”, da americana Judith Butler, e “Ética Bixa”, do espanhol Paco Vidarte.

“Nossos livros dizem respeito a deslocamentos tectônicos que mexem com o estatuto das mulheres, LGBTQ, negros, indígenas, doidos, autistas, artistas, historiadores, pensadores, que demandam instrumentos teóricos inusitados”, afirma Pelbart.

“É contra todas essas minorias perseguidas há tempos ou vetores demonizados que o fascismo atual se volta mais furiosamente.”

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