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'Gloria Bell' é, no máximo, boa chance para conhecer o filme original

Longa com Julianne Moore recria com redenção a história já filmada por Sebastián Lelio

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De certo, não é comum —mas a lista merece respeito: Hitchcock, Michael Haneke, Yasujiro Ozu encabeçam a relação de cineastas que, por motivos diversos, se propuseram a refilmar alguma de 
suas próprias obras. Menos imponente que seus predecessores, mas dono de uma carreira jovem já digna de nota, o chileno Sebastián Lelio agora entra para o grupo.

Embora seu nome ainda não desperte identificação imediata com o público brasileiro, a carreira do cineasta parecia ter opções suficientes para novas versões. É dele, por exemplo, “Uma Mulher Fantástica”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro no ano passado, o primeiro longa protagonizado por uma transexual (Daniela Vega) a ganhar o prêmio americano.

Revisitar uma de suas obras não passaria, no entanto, por seu longa mais célebre, mas, sim, pelo mais cativante “Gloria”, que, multipremiado no Festival de Berlim de 2013, retratava as desventuras de uma mulher de meia-idade, disposta a se libertar das amarras sociais de um cotidiano estafante. 

Paulina García —vencedora do prêmio de melhor atriz na Berlinale— se destacou em performance marcante, daquelas de simbiose perfeita entre artista e personagem.

Era de se esperar, portanto, que a escolha da nova Gloria fosse determinante para a realização da refilmagem. 

“Gloria Bell”, agora em cartaz no país, surge por iniciativa de Julianne Moore, que assume a dianteira do projeto e a razão de sua existência. “Fiz pela minha admiração por ela. É uma atriz com controle completo de seus recursos”, afirmou o diretor ao jornal The Daily California.

Mudam a protagonista, o país, o idioma, mas o enredo se mantém. O remake centra a sua narrativa no encontro entre Gloria (Julianne Moore) e Arnold (John Turturro), um homem recém-divorciado, que também está à procura de um reinício. 

Nas idas e vindas da relação, entre o afeto e o descaso, a obra desenha um panorama do que seria a vida depois dos 50 —o duro equilíbrio entre velhos e novos amores, a emancipação dos filhos, o enfado da vida 
profissional, na balança entre sonhos e frustrações.

O roteiro é o mesmo, os diálogos se repetem, os enquadramentos são semelhantes, mas, lado a lado com o original chileno, o que era vigor  se torna farsa; quando mínimas alterações são feitas nos pilares, o edifício já não se sustenta em pé. 

“Gloria” era um filme que se construía no humor melancólico típico do espírito trágico latino-americano, no pano de fundo político de um Chile em ebulição social, na exposição de corpos envelhecidos sem censura.

Em “Gloria Bell”, os personagens rejuvenesceram, as imagens se estilizam em cores fortes e, na transição da metrópole chilena para os condomínios de Los Angeles, a personagem passa a encarnar certo espírito americano,  encantando-se por hotéis e cassinos de Las Vegas e fazendo sua emancipação passar pelos serviços de um salão de beleza. O que, no original, parecia a solução encontrada por uma alma entristecida ganha aqui estranhos ares de redenção.

Se a ambição de Lelio era trabalhar com Julianne Moore, algo mais do que justificado pelo enorme talento da atriz, talvez pudesse ter confeccionado outra história, à altura de sua comprovada capacidade como realizador. 

Que “Gloria Bell” sirva, ao menos, como oportunidade para que o espectador reveja ou conheça “Gloria” 
—este, sim, um dos pontos altos da filmografia sul-americana dos últimos anos.

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