Descrição de chapéu

Livro de autora de 'Cat Person' move noção ampla e confusa de consentimento

Nos 12 contos do volume os finais são mal resolvidos e o maniqueísmo pesa contra os homens

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São Paulo

Cat Person e Outros Contos

  • Preço R$ 44, 90 (256 págs.); R$ 29,90 (ebook)
  • Autor Kristen Roupenian
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Ana Guadalupe

Em dezembro de 2017, um conto publicado na revista New Yorker causou frisson na internet. “Cat Person”, da americana Kristen Roupenian, narra o começo de uma relação entre uma mulher de 20 anos e um homem de 34.

 

Eles se conhecem no cinema em que ela trabalha, começam a trocar mensagens de celular, ela desenvolve uma paixonite —sabemos dos pensamentos e inseguranças dela, mas não dos dele. Eles têm um encontro, e, num determinado momento, ela passa a achar tudo estranho.

Começam a aparecer defeitos demais no cara. Ao invés de cair fora, ela segue, acha que ele beija muito mal, vai para a casa dele após o bar, acha que ele é gordo demais —a descrição do moço colocando a camisinha e de sua pança é um tanto repulsiva. Mas ela segue. 

Eles fazem sexo, do qual ela não gosta desde o começo. Ao final, quando ela quer dispensá-lo, ele a chama de puta.

Kristen Roupenian, autora do conto 'Cat Person'
Kristen Roupenian, autora de 'Cat Person e Outros Contos' - Acervo Pessoal

Na internet e nas mesas de bar, leitoras exaltaram o conto como um retrato fiel das agruras femininas. O cara, claro, foi interpretado como um canalha. 

Um mês depois, outro texto rodou a internet. Dessa vez, era o relato não ficcional da noite de Grace —a pior de sua vida, segundo a moça de 22 anos— com Aziz Ansari, ator e criador da série "Master of None". Ansari foi achincalhado, tratado de abusador para baixo.

Mas, segundo a narrativa, não há abuso, não há estupro. Grace vai à casa de Ansari porque quer. Todo o resto acontece também porque ela quer. O máximo que se pode dizer daquilo é que ele, e talvez mesmo ela, seria um desajeitado.

Roupenian lança agora o tão aguardado, ao menos pelo mercado, primeiro livro, que reúne 12 contos. Com temas diversos, como “O Espelho, o Balde e o Velho Fêmur”, uma espécie de alegoria tacanha sobre o amor-próprio feminino, e “Sardinha”, sobre uma brincadeira infantil que chega quase ao terror, os contos têm em comum a dificuldade da autora em resolver um final. 

Não há, tampouco, um homem decente nos textos, e o maniqueísmo pesa sempre contra eles. Em “Aquela que Morde”, por exemplo, tudo se resolve para uma mulher que deseja morder pessoas a ponto de arrancar pedaços quando sua vítima é um cafajeste que passa a mão em mulheres e as beija à força.

A maioria dos contos é perpassada por uma noção essencial na compreensão e repercussão de “Cat Person”: o consentimento.

Apenas uma noção confusa e ampla do que seja consentimento —e uma um tanto paternalista de desejo— pode levar o leitor a ver a garota de “Cat Person” como a vítima de um homem vil.

No conto de abertura, “Seu Safadinho”, um casal começa a fazer jogos, de início inocentes mas que passam a ser humilhantes e violentos, com um amigo que está triste pelo fim de um relacionamento. Nada, porém, é feito contra a sua vontade. O que o obrigava a ficar? A tristeza? Ou o prazer na perversão?

O filósofo francês Ruwen Ogien já alertava para o problema. As noções de consentimento e dignidade humana têm sido usadas para reforçar a criminalização da sexualidade, e não para sua liberalização, no que ele vê um dos fenômenos atuais mais inquietantes no domínio das liberdades individuais.

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