Descrição de chapéu

Na cabeça de Alê Youssef, SP é da turma bacana da noite do centro

Secretário de Cultura trata em livro das mudanças do Baixo Augusta, região onde atuou como empresário

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A Cidade É Nossa

  • Preço R$ 44 (144 págs.)
  • Autor Alê Youssef
  • Editora Letramento

Quem vem do centro de São Paulo pela rua da Consolação vê, à direita, os personagens do grande grafite do trio Os Tupys. Um deles diz: “Baixo Augusta”. Mais acima, à esquerda, outro painel declara: “A cidade é nossa”. 

Nessa segunda obra, da artista Rita Wainer, uma mulher ergue o punho cerrado, cercada por raios, ou prédios, coloridos. Ela paira acima da bandeira da cidade, sem cores. À sua volta, tubarões, estrelas, e um sol, ou lua cheia. 

São os estandartes do grupo que moldou aquela região com suas atividades artísticas —e comerciais. A história desse grupo e sua visão desse pedaço da cidade estão no livro “Baixo Augusta: A Cidade É Nossa”, publicado por Alexandre Youssef no mês passado.

Quando escreveu o livro, Alê Youssef, nome com que o assina, não era ainda o secretário municipal de Cultura de São Paulo; quando o lançou, sim.

A leitura da obra se torna indissociável desse fato. Quanto o que conta Alê, empresário, norteará as decisões de Alexandre, o gestor público?

A cidade de Youssef é o quadrilátero que se estende da praça Roosevelt à avenida Paulista e da Consolação à Frei Caneca. Uma zona relativamente pequena do centro da cidade.

O autor conta ter escrito o livro para ajudar a cobrir a lacuna dos registros da contribuição da boêmia paulistana à história da cidade. 

É nesse tom que segue, com longas enumerações de nomes de gente, bares e boates, o retrato que Youssef faz do seu quintal, como ele mesmo diz. 

Sua cidade é noturna, feita de música e de pessoas animadas em descobrir uma região, como narra, esquecida por todos, especialmente pelo poder público.

Aquele trecho urbano vibrante seria recuperado, conta, pelo investimento de agentes como Facundo Guerra e ele próprio, que, com seus sócios, levou o Studio SP da Vila Madalena para a Augusta. 

O movimento da zona oeste para o centro foi precedido pelo interesse de moradores de bairros mais ricos do entorno da Augusta, como Higienópolis e Perdizes, em experimentar uma noite com alguma ousadia, nos inferninhos da Augusta.

Os moradores daquele playground de néon, recorda, reclamavam da rua ocupada pelas tribos noturnas. “Mal sabiam eles que aquele tipo de empreendimento iria caracterizar toda a região e valorizar muito seus próprios imóveis algum tempo depois”, escreve. 

O trecho citado é exemplar da visão de Youssef que, se é bem-intencionado, não deixa de ser um empresário.

É a visão do empresário que prevalece ao longo de toda a obra, mesmo se no capítulo final, “Oásis Radical”, o encantamento com o empreendedorismo se banhe de algum realismo e senso crítico.

Só nesse epílogo ele lembrará que aquilo que a Augusta simbolizava quando eles ali chegaram foi deglutido pelo mercado que seus empreendimentos ajudaram a fomentar. 

Os atrativos originais do Baixo Augusta cederam; a atividade movimentada dia e noite pelo comércio local, no térreo de pequenas casas e predinhos, vai dando lugar a condomínios murados, iguais aos de qualquer outra região.

Quando sai da tentativa de registro histórico e se atém à memória pessoal, o livro é mais honesto e legível —descontados os erros que, ao menos na prova recebida pela repórter dois dias antes do lançamento, saltam das páginas. 

Todo o início, em que Youssef procura traçar a história da região, é marcado por afirmações vagas e impressionistas. 

A importância de outros atores para a ocupação da rua, como o espaço de cinema mantido sucessivamente, desde 1993, pelos bancos Nacional, Unibanco e, hoje, Itaú, é quase ignorada.

Lembrar que negócios variados, em todos os horários do dia, são o que mantém a rua viva e segura seria despir o setor de atuação de Youssef da aura com que ele a veste.

Com mais generosidade, ele aborda a atuação dos grupos de teatro que deram novo destino à praça Roosevelt. Mesmo estes, porém, põe no âmbito da vida noturna. Uma peça de teatro ali, conta, podia ser o início de uma noitada completa no Baixo Augusta.

O tom meio apressado é mais legítimo quando passa a narrar sua própria participação na revitalização, valorização ou gentrificação da região —chame como quiser, aqui todos são sinônimos.
Youssef conta como seu Studio SP, ampliado no espaço da Augusta, se torna a grande plataforma de talentos da música nacional projetados para o mundo. 

Ainda que, de novo no epílogo, ele relativize a importância de sua casa, dando a ela papel de amplificador da cena mais ampla nacional, ao falar só do Studio SP, Youssef não lembra que a música se produzia também longe da rua Augusta, Brasil afora. 

Em seguida, ele relata a epifania ativista do empresário, com a formação do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta. 

O Carnaval paulistano é hoje um evento lucrativo, e o bloco do povo da noite, criado há dez anos, empurrou a injeção de autoestima urbana que se espalhou pela cidade.

Com sua mistura muito paulistana de empresários, roqueiros, artistas, músicos independentes e rostos famosos da TV, teve, sim, papel indiscutível no processo que moldou a cara da folia paulistana.

Resta saber quanto esse processo significa, fora dos cifrões e da alegria dos dias de festa, uma retomada do espaço urbano no resto do calendário.

Boas intenções —ali expostas de maneira crível— à parte, o Acadêmicos do Baixo Augusta é a turma bacana e comprometida de Alê Youssef, mesmo se hoje arrasta 1 milhão pelas ruas do seu quintal. 

É a parte mais consistente do livro; mas é também a que deixa claro, sem qualquer fantasia histórica, de quem é a cidade estampada no grafite.  
 

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