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Peça 'O Alicerce das Vertigens' ressalta ciclo incessante de colonização no Congo

Na densa encenação, Dieudonné Niangouna defende o texto como camada central

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São Paulo

O Alicerce das Vertigens

  • Quando sáb. (16), 21h; dom. (17), 18h
  • Onde Sesc Pinheiros
  • Preço R$ 40
  • Elenco Sthyk Balossa, Dorient Kaly, Papythio Matoudidi, Arnold Mensah, Lazare Minoungou
  • Direção Dieudonné Niangouna

As cicatrizes do regime colonial na África ainda são, em muitos países, feridas abertas. Para retratar tais heranças presentes na República do Congo, Dieudonné Niangouna parte da narrativa ficcional de uma família que vive em Brazzaville, a capital do país.

Na densa encenação de “O Alicerce das Vertigens”, Niangouna defende o texto como camada central. O diretor e dramaturgo —que também atua no espetáculo, mas não pôde vir ao Brasil— compõe quadros quase estáticos para acompanhar os crescentes solilóquios narrados ao público por seus atores.

Certos procedimentos se repetem ao longo das cenas. Há um dado de estranheza proposto nos inícios; seguidos da composição imagética do espaço e, então, a verborragia extremamente desenhada de um intérprete —até sua explosão. Nesse sentido, é pertinente o excerto que trata da problemática contida na própria língua: francófono, o Congo soa como seu colonizador.

Na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, alguns problemas na exibição das legendas na sexta-feira (15), dificultou o entendimento do público. Considerando a densidade da obra, sua carpintaria dramatúrgica e os jogos com palavras e repetições, torna-se um desafio manter sua inteira potência frente a espectadores que não falam francês.

Ainda assim, as metáforas que redimensionam a situação familiar exposta para retratar heranças do colonialismo são rapidamente percebidas. Também não é difícil transpor diversas questões apresentadas para nossa realidade nacional.

Mesmo sob processos históricos extremamente diferentes, há algo em comum entre os alicerces de nossas vertigens. Apontamentos sobre educação, armas de fogo, pensamentos fascistas e certa sensação de falta de escapatória parecem falar dos dois lados do Atlântico.

6ª MITsp - Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. Espetáculo "O Alicerce das Vertigens", do congolês Dieudonné Niangouna
Espetáculo "O Alicerce das Vertigens", do congolês Dieudonné Niangouna - Divulgação

Na sobreposição entre as narrativas de relações interpessoais e questões de Estado, “O Alicerce das Vertigens” traça uma espécie de rota do lamento à resistência. A percepção de que o neocolonialismo segue a pleno vapor dá fôlego para os constantes crescentes —que chegam a ser exaustivos.

A obra é exigente e provoca o espectador. Nos vídeos, o campo metafórico se torna explícito nas imagens de abate —e o posterior trato de animais. A sangria de bovinos, o depenar de galinhas; o ser humano. Como contraponto ou ilustração ao texto, chegam a ser excessivamente desagradáveis. Além disso, a crítica a animalização —​​ou até a bestialização— é também evidente.

Frente à colonização que nunca cessa, “O Alicerce das Vertigens” observa que essa lógica também pode ser reproduzida de modo endógeno e questiona as possibilidades de sobrepujá-la.

Como síntese, talvez, esteja a primeira cena. Um narrador, banhado de argila, apresenta um sobrevoo da história do Congo. Critica o processo de independência e diversos governos que o seguiram. Enquanto isso, atores dão forma a pequenos bebês do mesmo material. Moldam e dão colo. Depois, os destroçam. E começam novamente. E mais uma vez, os destroem.

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