Artista conceitual desafia consumo de arte fast-food

Deyson Gilbert vem se firmando na cena com trabalhos quase impossíveis de rotular

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Detalhe de 'Melancolia', instalação da série 'Questão de Ordem', de Deyson Gilbert, de 2018

Detalhe de 'Melancolia', instalação da série 'Questão de Ordem', de Deyson Gilbert, de 2018 Bruno Leão/Cortesia Deyson Gilbert e Mendes Wood DM

São Paulo

Conceitual, erudito, difícil. As palavras se repetem nas descrições da obra do artista Deyson Gilbert, 33.

De fato, os trabalhos do pernambucano de São José do Egito não são para consumo imediato. Com uma produção que atravessa campos de conhecimento diversos, como história da arte, filosofia, política, economia e literatura, suas esculturas e instalações minimalistas beiram o enigmático.

Em uma delas, exibida em uma individual do artista na galeria paulistana Mendes Wood DM no ano passado, um manequim com figurino sadomasoquista é posicionado ao lado de uma poltrona Wassily, clássico do design da Bauhaus. Encaixada entre o braço e o encosto da cadeira, estava uma bandeira, também negra.

A ideia do trabalho, explica Gilbert, é estabelecer relações de continuidade entre elementos não relacionados --operação articulada nessa instalação específica, por exemplo, pelo couro preto, presente nos três objetos juntos ali.

 

Nessa e em outras peças da exposição, entravam em jogo noções como unidade e multiplicidade, poder e submissão, além da própria natureza da representação. Por fim, referências esotéricas se esgueiram pelas obras, detalhes escondidos por Gilbert.

O procedimento, afirma o artista, é comum em sua produção. "Gosto de cultivar uma certa esquizofrenia", diz. "Ao mesmo tempo em que os trabalhos aparentam ter uma identidade única na superfície, eles escondem uma vida dupla, que só vem à tona se o visitante as escavar."

Uma consequência dessa tortuosa estratégia visual é que mesmo colecionadores e galeristas parecem ter dificuldade para descrever sua obra.

"Não é para qualquer um. Tem que gostar de ser desafiado pela arte", afirma o colecionador paulistano Pedro Barbosa. Seguindo a carreira de Gilbert há cerca de cinco anos, ele tem diversas peças de autoria do artista. "Ao mesmo tempo em que escondem narrativas, os objetos que ele cria podem não dizer nada a depender da pessoa."

A complexidade da obra talvez ajude a explicar porque Gilbert ainda não alçou voos mais altos na cena brasileira de arte contemporânea.

Mesmo tendo participado de importantes exposições institucionais, como o 33º Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo há seis anos, e de ter passado por museus em Paris e Milão, ele não alcançou o mesmo status que outros artistas de gerações próximas representados pela mesma galeria, a Mendes Wood DM, que tem sedes em São Paulo, Bruxelas e Nova York.

É o caso, por exemplo, do mineiro Paulo Nazareth, que em maio inaugura exposições no Instituto de Arte Contemporânea de Miami e no Rockefeller Center, em Nova York. No mesmo mês, o franco-argelino Neil Beloufa e a nigeriana Otobong Nkanga participam da Bienal de Veneza, evento mais tradicional do mundo das artes, onde Nazareth e Sonia Gomes, outra artista da galeria, já estiveram. 

De acordo com Felipe Dmab, um dos sócios da galeria, ainda é cedo para analisar a carreira de Gilbert. "Cada trajetória é construída de uma maneira diferente, única", afirma. "Este não é um setor que trabalha com 15 minutos ou um par de anos. É sobre uma vida de trabalho."

O artista, por sua vez, não recusa o rótulo de complexo. Filho de um ex-metalúrgico e de uma faxineira e criado em São Paulo desde a infância, ele vê a dificuldade como uma salvaguarda para a autonomia da própria obra.

O artista contemporâneo Deyson Gilbert, conhecido pela obra conceitual
O artista contemporâneo Deyson Gilbert, conhecido pela obra conceitual - Karime Xavier/Folhapress

"Acho que existe uma postura deliberada da minha parte de não permitir que meus trabalhos se enquadrem facilmente em categorias 'hashtageáveis' de identificação", diz.

Nesse sentido, afirma, consegue se afastar do que chama da "doença das questões" —do corpo, do negro, da produção de mercadorias e afins.

Discussões que dominam a arte contemporânea hoje e que, ele argumenta, resultam em grande parte das vezes em trabalhos superficiais, incapazes de tecer reflexões profundas sobre a história ou a experiência.

Segundo Barbosa, a recusa em se render às tendências valoriza ainda mais o trabalho de Deyson Gilbert. "Esse mercado é uma máquina de moer carne", diz. "Isso mostra que ele só faz o que pensa."

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